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Método tem como objetivo final a construção da paz na sociedade por meio da criação de espaços de escuta e de fala

Como os integrantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) estão lidando com as mudanças de rotina impostas pelo distanciamento social? O processo de adaptação à nova vida e as incertezas do momento têm gerado estresse, angústia e medo? De que forma isso repercute nas atividades laborais? Um profissional que não está bem emocionalmente é capaz de prestar um serviço de qualidade para a sociedade? 
 
Foi a partir de indagações como estas, originadas logo no início da quarentena, que algumas promotoras de Justiça, de diferentes cidades mineiras, decidiram iniciar uma atividade inovadora na instituição: a realização de círculos de construção de paz virtuais com colegas de trabalho e, em alguns casos, também com membros da comunidade.
 
 
 
Método integrante do movimento de Justiça Restaurativa, os círculos são desenvolvidos por meio de contação de histórias, atualmente, em plataformas de videoconferência. Eles colocam os participantes em contato direto para dialogar, com a condução de um facilitador, a fim de que possam, por meio da partilha de ideias e de sentimentos e em um ambiente de segurança, encontrar soluções para seus problemas, prevenir conflitos e fortalecer vínculos pessoais.
 
A prática tem como princípios basilares o respeito, a corresponsabilidade, a interconectividade, a humildade e o maravilhamento e objetiva a construção de uma sociedade pacífica e solidária. Entre seus principais expoentes de divulgação no mundo, destaca-se, atualmente, a professora norte-americana Kay Pranis, que esteve na Procuradoria-Geral de Justiça em 2018, para ministrar um curso sobre a Justiça Restaurativa. 
 
Há dois anos, portanto, facilitadores pertencentes ao quadro de pessoal do MPMG têm desenvolvido círculos de construção de paz junto à comunidade e também capacitado pessoas, dentro e fora da instituição, para executar o trabalho, colaborando, assim, para a construção de uma cultura de paz na sociedade. 
 
No ano passado, por exemplo, a 4ª e a 8ª Promotorias de Justiça de Uberaba, no Triângulo Mineiro, realizaram um projeto-piloto de processos circulares com professores e alunos de quatro escolas, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação. “Tivemos experiências muito positivas nessas instituições. A diretora de uma delas nos deu um retorno bastante positivo, dizendo que a escola se tornou outra depois da implantação dos círculos”, comemora a promotora de Justiça Miralda Dias Dourado de Lavor. 
 
Também em 2019, com o apoio da promotora Maila Aparecida Barbosa, da 4ª Promotoria de Justiça de Uberaba, Miralda colaborou para a capacitação de servidores das Promotorias locais e de profissionais de outros órgãos do sistema de Justiça para atuarem junto a adolescentes infratores e também a pessoas envolvidas em conflitos de família e de violência doméstica. Muitos esforços vêm sendo feitos, nos últimos anos, para ampliar a aplicação da Justiça Restaurativa na cidade.
 
De igual maneira, no município de Três Pontas, no Sul de Minas, o projeto Laços Restaurativos, desenvolvido em escolas municipais e estaduais desde 2018, tem gerado frutos positivos, ao propor novas perspectivas de resolução e prevenção de conflitos. Idealizadora da iniciativa, a promotora de Justiça Ana Gabriela Brito Melo Rocha aponta a humanização como o grande diferencial do trabalho. “Nos círculos, a gente oferece o que temos de melhor, que é a nossa humanidade. E isso é altamente transformador”.
 
No entanto, com a chegada da pandemia do novo coronavírus e das medidas de distanciamento social, os facilitadores da instituição se viram em um dilema: como seria possível, em um contexto de isolamento, dar continuidade ao trabalho, que tem, em sua essência, a diretriz de aproximar pessoas, colocando-as em círculos para conversar? O distanciamento social pareceu, em um primeiro momento, um obstáculo intransponível. Porém, logo o grupo percebeu que era possível se adequar à nova realidade.
 
Adaptação
Foi da própria Kay Pranis que veio o esclarecimento sobre as novas possibilidades de aplicação da Justiça Restaurativa em tempos de isolamento. Nas primeiras semanas da quarentena no Brasil, a professora fez circular em todo o mundo um vídeo com orientações sobre a continuidade do trabalho no ambiente virtual, o que deu novo ânimo aos facilitadores do MPMG. Por força das novas circunstâncias sociais, o foco do trabalho da Justiça Restaurativa na instituição passou a ser o próprio isolamento e suas consequências para as pessoas. E o olhar dos facilitadores dirigiu-se, especialmente, para o público interno – procuradores e promotores de Justiça, servidores, estagiários e colaboradores. 
 
 
 
A promotora de Justiça Daniela Campos, da 3ª Promotoria de Justiça de Frutal, que nos últimos anos também tem trabalhado com a Justiça Restaurativa junto à comunidade, acredita que o autocuidado com as pessoas que integram a instituição é fundamental para o bom desempenho das funções ministeriais. “No Ministério Público, especialmente, lidamos muito com os conflitos, de todos os tipos. Precisamos encontrar formas de nos equilibrar diante disso. Se já entendemos a importância das práticas restaurativas para a sociedade, por que não aproveitarmos esse conhecimento também aqui dentro, já que estamos precisando dele?”, indaga.
 
Daniela chama a atenção, ainda, para o princípio da interconectividade, que mantém as pessoas interligadas e que interfere diretamente nas rotinas de trabalho. “Se meu estagiário não está bem, isso vai me impactar. Quando nos colocamos como iguais no círculo, criamos um espaço de confiança e ampliamos muito as possibilidades de resolvermos nossas questões”, analisa.
 
Na avaliação da promotora, o isolamento social aumentou consideravelmente a tensão e o estresse das pessoas, que, segundo ela, experimentam realidades muito diversificadas. “Temos, nas nossas equipes de trabalho, cenários muito variados, desde a pessoa que mora sozinha àquela que passou a ter uma convivência intensa com outras pessoas dentro de casa. Conhecer as facilidades e as dificuldades do outro, ouvir e poder falar são processos que ajudam muito na compreensão dos nossos problemas e no enfrentamento deles”.
 
A promotora de Justiça Danielle Arlé, coordenadora da Comissão de Justiça e Práticas Restaurativas do Fórum Permanente do Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte, ressalta que as práticas restaurativas estão em absoluta consonância com as funções do Ministério Público, já que a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária é um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 3º da Constituição Federal. “As pessoas estão se sentindo inseguras neste momento, e isso deve ser escutado. É preciso criar um espaço de escuta, de acolhimento, que viabilize a construção de diretrizes de trabalho junto à equipe”, pontua. 
 
Para Danielle, os círculos são ferramentas úteis, inclusive, para preparar os integrantes da instituição para o retorno às atividades presenciais. “Não é fácil voltar para o convívio de pessoas que estão angustiadas. Precisamos nos preocupar em criar espaços saudáveis de convivência. Que cuidados devemos ter como equipe para voltarmos a trabalhar juntos? O círculo é um método que permite a construção de novas normas de convivência”, pontua. 
 
Na avaliação da promotora, o momento atual e todos os desafios que ele apresenta representam uma grande oportunidade para a humanidade colocar em prática os valores da Justiça Restaurativa. “Hoje exercemos a humildade ante o vírus, que é invisível. Temos buscado meios colaborativos para a nossa sobrevivência. Percebemos que esses valores não só ajudam a resolver problemas, mas aliviam dores”.
 
As promotoras de Justiça esclarecem, contudo, que os círculos de construção de paz não correspondem a tratamentos terapêuticos, pois, diferentemente destes, não se dedicam a tratar síndromes. “O objetivo não é tratar questões psicológicas e emocionais, o que deve ser feito pelo profissional capacitado para isso, que é o psicólogo. O círculo é uma oportunidade de falar e de ouvir o outro e, a partir disso, de extrair reflexões importantes dessa troca, capazes de melhorar a convivência entre as pessoas”, explica Miralda. 
 
Funcionamento
A voluntariedade é um requisito fundamental para a realização dos círculos de construção de paz. Por isso, segundo Daniela Campos, as pessoas não devem ser convocadas, mas convidadas a participar, para que se sintam confortáveis na atividade. Neste período de isolamento, a conexão entre os participantes tem sido viabilizada por plataformas de videoconferência. Como intercorrências tecnológicas podem acontecer, como falhas de conectividade, é preciso que os facilitadores tenham atenção redobrada para garantir o bom andamento do trabalho.
 
 
Como acontece nos círculos presenciais, nos virtuais os facilitadores também usam uma peça de centro para criar um ponto de foco que apoia a fala e a escuta. Os participantes, por sua vez, elegem um objeto pessoal para integrar o centro do espaço em que ocorre a atividade, que, neste caso, é figurativo. Esses objetivos representam princípios que alicerçam o processo, uma visão compartilhada do grupo.
 
No processo circular, não existe hierarquia. Todos os participantes se colocam em posição de igualdade, e a conversa é conduzida, do início ao fim, pelo facilitador – pessoa capacitada para exercer a função. “Não é apenas uma roda de conversa. Existe um método, que precisa ser aplicado por quem tem competência técnica. O círculo requer preparo, um roteiro. É um processo estruturado para organizar a comunicação em grupo”, esclarece Danielle.
 
Em Uberaba, os círculos têm acontecido às sextas-feiras. Duram, aproximadamente, duas horas e reúnem um total de oito pessoas. No início do isolamento social, eles eram realizados apenas com integrantes da instituição, mas, nas últimas semanas, começaram a ocorrer também com membros da comunidade. 
 
Em Três Pontas, a promotora Ana Gabriela realiza a atividade ao menos uma vez na semana, sempre à noite, principalmente com a equipe da Promotoria, embora já tenha realizado também com membros da comunidade, como profissionais da rede de proteção à criança e ao adolescente do município. Ana Gabriela tem a intenção de ampliar os trabalhos para atender também o ambiente escolar e policiais, segmentos que, na opinião dela, têm carecido de uma atenção especial. “Em relação ao ambiente escolar, percebo que nós, geralmente, nos preocupamos muito com o conteúdo a ser passado para os alunos, mas não pensamos na situação dos professores, em como eles estão lidando com parentes doentes, com as novas ferramentas tecnológicas, com as questões de casa. Quem está olhando para essas pessoas? É importante criar espaços nos quais possamos partilhar essas angústias”.
 
Fortalecimento e integração
Desde que começaram a ser realizados pela instituição, os círculos virtuais têm gerado resultados positivos nas equipes de trabalho. Uma das etapas do processo é o check out, que convida os participantes a relatarem como se sentem ao final da atividade. Conforme as facilitadoras, tem sido recorrente o relato, pelos participantes, de se sentirem “reenergizados” após o encontro. 
 
 
A analista da 3ª Promotoria de Justiça de Três Pontas Aline Balbino Portugal considerou “revigorante” a conexão criada pelo círculo. “Um sopro de luz e calmaria”, resumiu.
 
Da mesma forma, a analista da 1ª Promotoria de Justiça de Três Pontas Any Pereira Silva  avaliou como positiva a sua participação no círculo. “Gostei muito do encontro. Foi muito bom poder falar um pouco de mim e também ouvir os meus queridos. Esse tempo de recolhimento nos deixa mais frágeis, mas também nos permite ver aquilo que nos passa desapercebido todos os dias”.
 
A sensação de fortalecimento também foi mencionada por Íris Diniz Paiva, que participou do círculo enquanto ainda era estagiária da 3ª Promotoria de Justiça de Três Pontas. “É muito fortalecedor e gratificante! A gente sai mais leve, se sentindo apoiada!”, comentou.
 
A estagiária da 2ª Promotoria de Justiça de Três Pontas Kathuryn Caroline, por sua vez, disse ter se surpreendido com a atividade, pois desconfiada da eficiência do círculo em ambiente virtual. “Confesso que no início duvidei do grau de conexão que seríamos capazes de estabelecer via internet, mas tive uma grata surpresa. Trocar experiências e sentimentos com pessoas tão queridas foi um alívio nesse momento tão tenso”, relatou.
 
A promotora Daniela Campos também contou que suas expectativas em relação ao processo virtual foram superadas. “Eu achava que a potência da atividade estava em estar presente, em círculo, mas percebi que a questão da metodologia está muito mais relacionada à nossa capacidade de organização para contação de história, à ancestralidade, do que com o círculo em si. Há cinco meses, eu teria considerado absurda a ideia de fazer o círculo virtualmente”. Para a promotora, a tecnologia tem sido capaz de potencializar o amparo às pessoas durante o isolamento. 
 
A estagiária da 3ª Promotoria de Justiça de Três Pontas Aline de Paula Braga também fez coro à avaliação das colegas. Ela destacou que todos os acontecimentos possuem um lado positivo, inclusive o isolamento, e que é preciso olhar também para isso. “Eu consigo ver o quanto conseguimos ser humanos, valorizando a amizade, a fé, a positividade em meio a todo o caos. A morte é uma certeza que temos, mas junto temos o amor, existe outro dia, outros sorrisos, outros sonhos, pensamentos positivos para que tudo isso se transforme em aprendizado.” 
 
Capacitação
Nesta quarta-feira, 17 de junho, as promotoras de Justiça Ana Gabriela Brito, Danielle Arlé, Daniela Campos, Luciana Christofaro e Maria Clara Azevedo concluíram um curso de formação online de facilitadores de círculos virtuais de construção de paz, no módulo avançado, promovido pelo Instituto Moinho da Paz. A intenção das promotoras é compartilhar o conhecimento adquirido com outros integrantes da instituição. 
 
 
De acordo com o diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MPMG,  Edson Ribeiro Baeta, o Núcleo Permanente de Incentivo à. Autocomposição (Nina) está se estruturando para organizar o atendimento às demandas referentes às práticas restaurativas, além de continuar dedicando atenção especial a todos os assuntos relativos aos mecanismos autocompositivos de resolução de conflitos.
 
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19/06/2020

 

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