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Com recursos do Fundo Especial do Ministério Público de Minas Gerais (Funemp), municípios de Barbacena, Curvelo e Pouso Alegre serão contemplados por projeto voltado à responsabilização dos agressores e à proteção das vítimas

Interiorizar a política de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica, abarcando também o atendimento aos homens autores de violência, é um dos principais desafios do Estado de Minas Gerais no campo da criminalidade. A constatação é da coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência contra a Mulher (CAO-VD) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), promotora de Justiça Patrícia Habkouk.

Foi com o objetivo de enfrentar essa dificuldade que, segundo ela, no ano passado, o CAO-VD propôs uma parceria à Subsecretaria de Prevenção à Criminalidade (Supec), ligada à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Trata-se da construção de três Unidades de Prevenção à Criminalidade para execução do Programa “Enfrentamento à violência contra a mulher”, nos municípios de Barbacena, Curvelo e Pouso Alegre.

O projeto foi aprovado em dezembro do ano passado pelo Fundo Especial do Ministério Público de Minas Gerais (Funemp) e prevê a atuação em dois eixos: responsabilização de homens autores de violência doméstica, por meio da participação em grupos reflexivos, e atendimento às vítimas, com atenção ao fortalecimento da rede de proteção social para intervenções sobre o tema.

Conforme Patrícia, a estruturação das UPC’s e o serviço de apoio administrativo serão custeados com recursos do Funemp por dois anos. Como contrapartida, o Estado arcará com a manutenção mensal das unidades.

A promotora esclarece que a escolha das cidades obedeceu a três critérios: índices de violência doméstica e familiar, população com cerca de 100 mil pessoas e inexistência de serviços especializados. Segundo Patrícia, a interiorização da política de atendimento à mulher em situação de violência é uma urgência. “Os indicadores mostram que 72% dos casos de feminicídio no estado aconteceram fora da região metropolitana de BH, o que torna essencial a disponibilização de serviços relacionados ao enfrentamento à violência contra a mulher nas comarcas do interior”, pontua.

Quanto aos casos de feminicídio notificados em Minas, a promotora lembra que entre 2016 e 2020, em média 147 mulheres sofreram feminicídio consumado por ano. Ou seja, a cada 2,5 dias, uma mulher morreu vítima de feminicídio.

Eixos de atuação

A realização de Grupos de Responsabilização de Homens Autores de Violência Contra a Mulher está prevista na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). O encaminhamento do agressor a um desses grupos para cumprimento de medida protetiva de urgência ou alternativa penal pode ocorrer a partir de requerimento do Ministério Público ou por iniciativa do próprio juiz.

Nos três municípios que receberão o projeto, a estruturação do serviço de acompanhamento às medidas protetivas impostas aos agressores por meio de atendimentos individuais ou grupais contará com a expertise do Programa Central de Acompanhamento das Alternativas Penais (Ceapa). Já o acompanhamento das mulheres vítimas de violência ocorrerá com a abordagem especializada e metodologia própria já desenvolvida pelo Programa Mediação de Conflitos, da Sejusp.

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Nas três localidades, já foram realizadas as primeiras reuniões, com as técnicas da Supec, para a implantação do projeto. Em Curvelo, a expectativa é que a inauguração da UPC ocorra já no próximo mês. Em Barbacena e em Pouso Alegre, os locais onde funcionarão as unidades estão em fase de definição. Na sequência, será aberto processo seletivo para contratação dos profissionais que farão os atendimentos.

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Foco na prevenção

O promotor de Justiça Marcos Fonseca, de Pouso Alegre, ressalta que a violência doméstica e familiar representa grande parte das ações e inquéritos na cidade e que o foco na prevenção dos conflitos pode ser determinante para salvar vidas. “Ao atuar também junto aos agressores, temos mais chances de encerrar o ciclo da violência, que ceifa a vida de muitas mulheres”.

Marcos lembra que o projeto busca agir em parceria com os serviços sociais do município, e não os substituir. “A intenção é tentar modificar essa cultura do machismo intrínseco na sociedade, para que, no futuro, tenhamos mais respeito às mulheres”, observa.

O promotor de Justiça Carlos Eduardo Fernandes, de Barbacena, também acredita no potencial transformador da iniciativa e nos frutos que virão, ao longo do tempo, a partir dela. “Estou certo de que a implantação do projeto na comarca de Barbacena constitui um importante marco no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher na cidade e região”. Carlos Eduardo diz não ter dúvida sobre a eficiência da abordagem multidisciplinar no tratamento do problema. “A abordagem proposta, calcada não só no empoderamento da vítima, mas também na conscientização do infrator, constitui estratégia inteligente e diferenciada para a efetiva redução dos famigerados índices de violência de gênero”.

Por sua vez, o promotor de Justiça Marcelo Mata Machado destaca que, nos últimos anos, os números de violência doméstica e familiar contra a mulher na comarca de Curvelo foram significativos, o que enseja a adoção, de forma célere e efetiva, de estratégias de enfrentamento multifacetadas, por meio da comunhão de esforços e de parcerias entre os atores envolvidos com a temática. “O projeto de Enfrentamento à Violência Doméstica em Curvelo tem como um dos objetivos principais reforçar as políticas públicas de acolhimento da mulher vítima de violência, por meio de metodologias já testadas em programas de mediação de conflitos, e realizar o acompanhamento das medidas protetivas impostas aos homens autores de violência contra a mulher, por meio de ações de responsabilização e grupos reflexivos”, salienta.

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Mudança cultural

O presidente do Funemp, procurador de Justiça Jacson Rafael Campomizzi, salienta que os casos de violência doméstica representam grande parte daqueles que se encontram hoje nas varas criminais. Ele lembra que este tipo de violência afeta não apenas a mulher, mas toda a família, e ressalta a importância de se sensibilizar os agressores para a questão. “O diferencial desse projeto é o atendimento aos autores de violência, por meio de um trabalho multidisciplinar, com enfoques psicológico, cultural, jurídico, político e social, para que eles passem a enxergar as mulheres de outra forma e compreendam a gravidade dos atos praticados”.

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De acordo com o procurador, uma mudança cultural é fundamental para o enfrentamento do problema. “Ao serem sensibilizados, o autor de violência passam a colaborar com as politicas de prevenção, pois sensibilizam também outros homens”, explica.

Ainda conforme Jacson, a experiência da instituição tem mostrado que as ações voltadas à transformação cultural do pensamento e do comportamento dos homens são imprescindíveis para a redução dos casos de violência contra a mulher.

Assinatura Cejor

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