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Allender Barreto Lima da Silva, promotor de Justiça, coordenador de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação 

O dia 17 de maio, Dia Internacional contra a LGBTfobia, é uma data emblemática e de especial importância para a cidadania LGBT, escolhida pela própria comunidade por ser a data em que a OMS (Organização Mundial da Saúde), no ano de 1990, removeu a homossexualidade da lista internacional de doenças (CID), afastando-a do campo patológico. A dignidade cidadã pressupõe uma condição de igualdade moral entre os atores sociais numa comunidade política e a estigmatização é, no plano fático, um óbice para esse reconhecimento. Daí a importância desse marco para a cidadania LGBT e para as democracias contemporâneas.

Os estigmas que recaem sobre os corpos LGBTs atingem também a defesa de seus direitos. A proteção dos direitos LGBTQIA+ é confundida, na quadra atual, com “visão de mundo”, ideologia ou espectro político, enquanto, na verdade, está sustentada nos fundamentos e objetivos da república (artigo 1º, II e II, e artigo 3º, I e IV, da CRFB). Portanto, é um compromisso do Estado brasileiro. É dizer: não há escolha sobre a tutela de tais direitos, mas sim cumprimento ao pacto cidadão de 88.

O Ministério Público tem o dever constitucional de enfrentamento a todas as formas de discriminação. A Constituição de 88, prodigiosa em direitos de cidadania, redesenhou o Ministério Público brasileiro com as linhas, cores e curvas da promoção de cidadania. Na cartografia institucional brasileira, o Ministério Público se posicionou como verdadeiro “ponta-de-lança” de importantes conquistas sociais nas últimas décadas, desbravando espaços histórica e juridicamente apagados e invisibilizados e abrindo novos caminhos de cidadania.

Assim o fez nas áreas da educação, saúde, meio ambiente, criança e adolescente, idosos, pessoas com deficiência, consumidor, enfrentamento a violência doméstica, combate a improbidade administrativa e tantos outros direitos, cuja consolidação e efetividade contaram com a atuação altiva e forte do Ministério Público. Sensível à vida pulsante, o Ministério Público assimila hoje o direito antidiscriminatório como pedra de toque para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Assim, por entender que a luta por direitos da população LGBTQIA+ passa pela superação de estigmas, o Ministério Público celebra o dia 17 de maio, dia internacional contra a homofobia, como marco importante da cidadania LGBT.

O enfrentamento a todas as formas de discriminação se tornou central para o futuro das democracias contemporâneas. As dinâmicas dos processos democráticos contemporâneos, com a densidade dada pelos movimentos negro, feminista e LGBT, explicitaram que os princípios de liberdade, igualdade e dignidade, formados e formatados a partir do ideário branco, masculino e heteronormativo, foram pouco realizáveis para grupos subalternizados.

Daí se dizer, hoje, que a liberdade passa pelo reconhecimento a um direito de existir autêntico; a igualdade passa pelo reconhecimento da diferença e da pluralidade; e a dignidade passa pela superação de estigmas e o reconhecimento de todos com a mesma consideração, respeito e competência para incidir na vida pública. O combate à LGBTfobia se tornou, portanto, crucial para a democracia.

Quero dizer que o enfrentamento a LGBTfobia não é uma bandeira meramente identitária. É uma questão de ética cidadã. Ela diz sobre o nosso futuro como nação comprometida com os direitos humanos. Independentemente das capturas que possam ser feitas no campo ideológico, é urgente destacar que há uma razão pública no enfrentamento a LGBTfobia. Enfim, concluo para dizer que a bandeira com as cores do arco-íris, erguida pelo movimento LGBT, tem como haste o pacto civilizatório de 88.

Artigo originalmente publicado no jornal O Tempo, no dia 17 de maio de 2022

Assinatura Cejor

 

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