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Foi encerrado, na segunda-feira, 22 de março, o evento “Diálogos da Semana do Consumidor: O Impacto da Pandemia nas Relações de Consumo", realizado no ambiente online pelo Ministério Público de Minas Gerais, por meio do Procon-MG. Durante cinco dias, especialistas debateram a situação dos consumidores, que, em momento de fragilidade frente às consequências da pandemia da Covid-19, ainda têm que lidar com aumento do custo de vida no seu dia a dia, especialmente devido a reajustes de preços, inflexibilidades contratuais e abusos cometidos por fornecedores de produtos e serviços.

Contratos escolares, planos de saúde, transporte aéreo, turismo, abusos e elevação de preços foram alguns dos tópicos abordados. Para o coordenador do Procon-MG, Rodrigo Filgueira, o direito está sendo testado e colocado à prova para garantir os direitos fundamentais durante esse período em que muitas pessoas estão fragilizadas e empobrecidas. “Na avaliação de muitos especialistas, houve uma redução drástica dos direitos constitucionais do consumidor, neste momento de vulnerabilidade ainda maior. Temos novas regras que impedem ou postergam o acesso dos consumidores a eles”, criticou.

Reajuste de planos de saúde

Durante o evento, especialistas da área foram unânimes em lamentar e questionar os reajustes efetuados neste ano pelos operadores de planos de saúde no Brasil, especialmente diante de um quadro de agravamento da pandemia da Covid-19 em todo o país. Hoje, esse mercado atende cerca de 45 milhões de pessoas. Em 2021, a Agência Nacional de Saúde autorizou às operadoras a reajustar mensalidades e a recompor valores.

“Isso significa para consumidor, em média, um impacto a partir deste ano de 34% a 50%. Quem consegue fazer frente a esse aumento?”, questionou coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete. Ela, juntamente com o promotor de Justiça do MPMG e coordenador do Brasilcon, Fernando Rodrigues Martins, e o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor em São Paulo Denilson de Souza Freitas, concordaram que, no momento atual, a medida ignora as circunstâncias externas, provocadas pela pandemia. “Em plena época de maior dificuldade para os consumidores, vem um argumento baseado somente na eficiência e sem verificar as circunstâncias. Ilegítimo, injusto e irracional”, ressaltou Fernando Martins. “O boleto a ser pago não vai ser pouco, e estamos no pior momento da pandemia. E as operadoras estão com queda de despesas e aumento de receitas”, acrescentou Denílson.

Transporte aéreo, turismo e cultura

O assunto foi tratado pela advogada e secretária-geral da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Federal, Luciana Atheniense Rodrigues; pelo promotor de Justiça e subcoordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor e Contribuinte do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Sidney Rosa da Silva Júnior; e pelo juiz de direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e membro do Instituto Brasileiro do Consumidor (Brasilcon) Fábio Torres de Sousa.

A advogada Luciana Atheniense defendeu a importância da revisão das cláusulas contratuais neste momento atípico no país, de modo a não onerar exageradamente a parte mais vulnerável da relação, e apontou problemas da nova legislação sobre o transporte aéreo. O promotor de Justiça Sidney Rosa, por sua vez, destacou a existência de um descompasso entre as medidas sanitárias que determinam à população a permanência em casa e a regulação do mercado de aviação, que passam a mensagem: “Saia de casa e viaje. Senão você terá que pagar multa e apenas receber o crédito que pagou”.

Já o juiz Fábio Torres ponderou sobre a dificuldade enfrentada pelo legislador para elaborar um conjunto de leis que consiga abarcar o maior número de casos possíveis e com tantas particularidades. “A meu ver, o que as novas leis buscaram equilibrar foram as realidades sociais e econômicas diversas que existem em um país imenso como o Brasil. Claro que muitas dessas questões vão desaguar no Judiciário. E é claro que existem erros na legislação também, que devem ser enfrentados. É na realidade do dia a dia que cada caso será analisado, de modo a se obter uma melhor compreensão do direito na situação específica que vivemos, que é extremamente grave”

Elevação injustificada de preços

O defensor público Eduardo Chow de Martino Tostes utilizou exemplos práticos enfrentados no Rio de Janeiro para defender o diálogo e negociação como ferramentas efetivas para harmonizar a relação de consumo, especialmente neste momento. “Se a pandemia já afetava saúde e economia familiar dos consumidores, o anúncio de um reajuste de 25% no valor da tarifa de trem no Rio de Janeiro causou uma revolta grande da população. Recomendamos ao município o não aumento da passagem e abrimos uma mesa de negociação com as partes envolvidas, incluindo a população. A partir do diálogo, construímos uma situação menos trágica diante desse cenário da pandemia”, revelou

O advogado Bruno Miragem apontou o artigo 39 do CDC, que trata da elevação de preços sem justa causa, apesar de inovador, como uma das normas mais controversas, seja na interpretação ou na sua aplicação. “Esse artigo define condutas e práticas abusivas, as proíbe, mas não estabelece sanções. Isso poderia transparecer uma deficiência, mas se há proibição, qualquer sanção que rejeite a conduta proibida é válida. Assim podemos falar em nulidade, indenização em caso de danos, e sanções administrativas, até mesmo a tutela com obrigação de fazer ou de não fazer”, apontou.

Outro especialista em Direito do Consumidor, o advogado Ricardo Morishita Wada refletiu sobre o desafio de aplicação da justa causa e de um exercício discricionário. Trouxe ainda um destaque sobre as normas consumeristas que protegem de especial maneira os hipossuficientes, que podem se caracterizar por questões ligadas à saúde, de idade, situação econômica. “Há um critério legal para compor um programa normativo para que no caso concreto se consiga fazer a aplicação na prática comercial abusiva, da elevação sem justa causa de preços”, destacou.

O promotor de Justiça do MPDFT e presidente do MPCon, Paulo Roberto Binicheski, propôs uma atuação baseada na inversão do ônus da prova quanto à elevação de preços, inclusive em sede administrativa e ressaltou a importância de medidas que defendam a ampla e justa concorrência, como no caos dos combustíveis.

A tutela coletiva

Ao abordar a tutela coletiva no atual contexto, Hermes Zaneti Júnior, promotor de Justiça do MPES, ressaltou a atenção redobrada que tribunais superiores, especialmente, devem ter para decidir questões relacionadas à Covid-19, na formação de precedentes. “O que for decidido nesses casos, passará a valer para todos os juízos”

Gregório Assagra de Almeida, procurador de Justiça do MPMG, ressaltou que a defesa da vida e da sua existência com dignidade deve sobrepor questões econômicas, lembrando que a Constituição garante, como direito e garantia fundamentais, a defesa do consumidor pelo Estado. Ele abordou ainda a aplicabilidade do princípio da máxima amplitude da tutela coletiva, que está inclusive expressa no CDC. Em seu artigo 83, o código diz que, para a defesa dos direitos do consumidor, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de efetivar sua tutela.

O recém-aposentado procurador do MPMG Amauri Artimos da Matta, que coordenou o Procon-MG, foi homenageado durante o evento. A falar sobre o tema, ele destacou que os interesse meta individuais são defensáveis juridicamente. “Não é fato de a pandemia ter gerado um dano que afetou uma coletividade indeterminada de pessoas que fará com que o consumidor seja equiparado a empresas ou de alguma forma tratado de uma forma inferiorizada.

Contratos escolares

Ao falar sobre o tema, Andréa Mismotto Carelli, promotora de Justiça do MPMG e coordenadora estadual de Defesa da Educação, traçou um panorama da situação no estado e lembrou que as escolas da rede pública e particulares estão autorizadas a retomar às atividades presenciais a partir da onda amarela, conforme estabelecido pelo comitê gestor estadual, mas com a chancela do gestor local. Para isso, segundo ela, é preciso protocolos sanitários específicos e um plano que contemple os aspectos pedagógicos, além do diálogo. “O direito à informação, constante do CDC, deve ser observado pelas instituições, que devem informar sobre as possibilidades aos pais, inclusive do ensino híbrido”.

Felipe Gustavo Gonçalves Caires, promotor de Justiça e coordenador da regional do Procon-MG em Montes Claros, lembrou da complexidade e do caráter multidisciplinar do tema, uma vez que envolve direitos do consumidor, civil, à saúde, à educação. Entre vários aspectos abordados, ele falou sobre possível reaproveitamento de material escolar. “É ônus do fornecedor da escola provar que esse reaproveitamento é inviável, seja por desatualização ou deterioração”. Sobre a volta às aulas, ele disse que, na prática, a escola terá que oferecer pelo menos o regime híbrido. “O consumidor não pode ser obrigado ao retorno presencial enquanto todos não tiverem sido vacinados”, disse

Nelson Rosenvald, procurador de Justiça do MPMG, fez uma síntese da experiência contratual no contexto da pandemia e afirmou que o exercício do poder de polícia pela Administração foi a causa direta da impossibilidade de cumprimento de muitos contratos, mais do que a pandemia em si. “Esse contexto pede e reclama o reexame e o afastamento da responsabilidade do devedor pelo inadimplemento”.

 

 

 

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24/03/2021

 

 

 

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