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Uma pergunta que atormenta os órgãos do Sistema de Justiça: a sociedade anda satisfeita com a forma pela qual seus problemas têm sido resolvidos pelas instituições jurídicas? 

Mesmo sem formular pergunta tão direta, procuradores e promotores de Justiça, em contato cotidiano com a população, não titubeiam em dizer que não. O descontentamento, lamentavelmente, é amplo, e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, atento à sua missão maior de servir à sociedade, busca novas alternativas para essas questões no âmbito de suas atribuições. Sob esse espírito, inaugura-se, neste 17 de setembro, o COMPOR, o Centro Estadual de Autocomposição de Conflitos e Segurança Jurídica. 

No Brasil, em 2019, havia cerca de 77,1 milhões de processos judiciais em tramitação, conforme o relatório “Justiça em números”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ao consideramos que o país tem 213 milhões de habitantes e que um processo envolve, no mínimo, duas partes interessadas, poderíamos concluir que quase todos os habitantes do Brasil participam de algum processo. Um silogismo imperfeito, pois, nesse número de processos, estão incluídos grandes demandados, que se repetem, estando, entre eles, pessoas jurídicas, de direito público ou privado. Mas isso não afasta o espanto ao tomarmos conhecimento do gigantesco número de processos judiciais em tramitação. 

A hiperjudicialização é fenômeno complexo, e, entre suas diversas causas, está a cultura da heterocomposição, que, na prática, pode ser traduzida no hábito de pedirmos a terceiros que resolvam um conflito nosso, ou seja, é o que se dá quando se bate à porta do Poder Judiciário para pedir arbitragem, por exemplo. 

A resolução de conflitos pelo Poder Judiciário é garantia a todos estendida, tanto que está prevista a assistência judiciária gratuita para quem dela necessitar. Mas é hora de observarmos com atenção o fenômeno da hiperjudicialização. Será que, em qualquer situação, a decisão imposta pelo terceiro, no caso o Estado-Juiz, é mesmo a melhor solução? 

Importante ressaltar que não se trata de questionar a qualidade das decisões judiciais. Nem sempre a decisão que vem de fora é a que mais satisfaz os envolvidos num conflito, ou seja, nem sempre traz a almejada pacificação. 

O acesso ao Poder Judiciário é garantia inafastável, sendo cláusula pétrea da Constituição Federal. Contudo, é importante tomarmos consciência de que a garantia de acesso à Justiça não se resume ao acesso ao Poder Judiciário, mas a um sistema de resolução de conflitos ágil, com todos os métodos nele existentes. 

O amplo acesso à Justiça deve, pois, considerar qual o método mais adequado para tratar de cada caso concreto, e, para isso, é preciso que todos esses métodos sejam conhecidos e estejam à disposição do cidadão. 

Parece aos estudiosos do tema que a melhor forma de se resolver uma contenda é o processo dialógico de construção de consenso, em que os próprios envolvidos procurem soluções que atendam aos seus interesses. 

Nesse contexto, o Ministério Público, que foi refundado na Constituição de 1988, apresenta-se, agora de forma mais direta, como uma instituição de amplo acesso à Justiça, e não de acesso somente ao Judiciário. E inova ao dar um passo imenso rumo à Justiça do futuro, a negocial, que, na maioria das vezes, será realizada na sua própria casa. 

Cumprindo esse seu papel constitucional, o Ministério Público mineiro cria o seu Centro de Autocomposição, o COMPOR, com espaço próprio, e protagoniza o uso qualificado dos métodos autocompositivos (negociação, mediação, conciliação e práticas restaurativas), com uma equipe especializada, pronta a buscar soluções entre os órgãos do Ministério Público e os demandados pela instituição, sempre por requerimento ou solicitação de uma das partes. 

O Brasil conhece o estado de Minas Gerais pelo apreço ao diálogo, e o Ministério Público mineiro, honrando as tradições, cria o Compor: uma vereda aberta para a conquista de soluções consensuais, como na música da banda Rosa de Saron, “mire as estrelas e salte o mais alto que puder”.

Artigo originalmente publicado no jornal Estado de Minas, em 16 de setembro de 2021

 

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