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A Constituição Federal brasileira reconhece, em seu artigo 205, a educação como um direito fundamental de todas as pessoas e um dever do Estado e da família. A importância dada ao tema se justifica sobretudo porque é por meio do ensino que são formados cidadãos conscientes e capazes de colaborar na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como a prevista pela lei maior do país. E, nesta edificação permanente, os professores ocupam papel de destaque, já que representam o principal pilar do processo educacional.

Nesta quinta-feira, 15 de outubro, é celebrado, no Brasil, o Dia do Professor. A escolha da data remonta ao fato de o imperador Dom Pedro I ter instituído, em 15 de outubro de 1827, um decreto que criou o Ensino Elementar no país, com a instituição das escolas de primeiras letras em todos os vilarejos e cidades. A norma estabeleceu, também, a regulamentação dos conteúdos a serem ministrados e as condições trabalhistas dos professores.

Quase dois séculos após esse marco histórico, a situação do ensino e as condições de trabalho dos docentes no Brasil ainda demandam muita atenção da sociedade e, de maneira especial, do Ministério Público, instituição responsável pela defesa e pela garantia dos preceitos constitucionais.

No Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), as Promotorias de Justiça são incumbidas de promover, em todo o estado, a defesa judicial e extrajudicial do direito à educação, incluída, neste campo, a valorização dos profissionais da educação. Agindo de forma integrada e coordenada com a Coordenadoria Estadual de Defesa da Educação (Proeduc) e com as Coordenadorias Regionais das Promotorias de Justiça de Defesa da Educação e dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Credcas) os órgãos de execução do Ministério Público atuam pelo fomento, pela implementação e pela regularização de políticas estaduais e regionais a cargo do Poder Executivo, pela compilação de dados, pelo aproveitamento de experiências bem-sucedidas e pela garantia do tratamento uniforme da matéria.

De acordo com a coordenadora da Proeduc, promotora de Justiça Daniela Yokoyama, embora, muitas vezes, a judicialização das questões da educação seja inevitável, tem sobressaído, cada vez mais, a atuação ministerial pela via extrajudicial e de tutela coletiva, com a adoção de medidas de cunho administrativo, como a expedição de recomendações e a celebração de termos de ajustamento de conduta.

A promotora ressalta a importância do acompanhamento pelo MPMG da implementação e do funcionamento das políticas públicas e das condições de trabalho dos professores. “A realidade nos tem mostrado que, apesar dos avanços em termos normativos e de sistematização da educação no país, ainda persistem entraves práticos, muitos dos quais relacionados a deficiências na gestão da política pública. Em relação aos docentes, ainda enfrentamos, infelizmente, em diversos municípios, muitas dificuldades para a implementação do piso salarial dos profissionais do magistério que, desde 2008, é uma imposição da Lei nº 11.738/08, e também para a efetivação de condições adequadas de trabalho, como a garantia do tempo de preparação das aulas, garantido pela mesma lei”, lamenta.

Daniela salienta, ainda, que a valorização dos professores é aspecto fundamental para a construção de uma sociedade livre e democrática e aponta, ao lado do cumprimento do piso salarial da categoria, dois outros focos importantes de demandas das Promotorias de Justiça na Proeduc, que sobressaíram ainda mais com a pandemia do Covid-19: a necessidade de formação continuada dos docentes e a atenção ao adoecimento mental desses profissionais. “Antes da pandemia, já vínhamos batalhando pela implementação de uma política pública de inclusão dentro das escolas, que preveja a formação continuada dos professores e a garantia de suporte técnico a eles, para que consigam trabalhar com alunos com deficiência em sala de sala. Com a suspensão das aulas presenciais, despontaram outras urgências, como a capacitação dos docentes para lidarem com as aulas remotas. Temos atuado para que os gestores públicos atendam essa necessidade”.

Meta nacional
A promotora de Justiça da 25ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação de Belo Horizonte, Carla Maria Lafetá, destaca ser impossível oferecer uma educação de qualidade à população sem a valorização dos professores e o enfrentamento dos problemas agravados pela pandemia, como a sobrecarga de trabalho e a falta de estrutura. “Se queremos que a educação seja uma prioridade, precisamos nos esforçar para valorizar os profissionais da educação, e isso passa pelo pagamento de um salário digno”, observa.

Carla lembra que a valorização dos docentes consta na lista de metas do Plano Nacional da Educação 2014 – 2024 (Lei nº. 13.005/2014). Enquanto a Meta 16 dispõe sobre a formação continuada dos profissionais da educação básica, a Meta 17 estabelece a equiparação do rendimento médio dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente.

Segundo a promotora, a problemática da educação é bastante complexa e exige dos gestores públicos e dos promotores de Justiça o conhecimento dessa complexidade, sob pena de não se alcançar efetividade nas ações propostas. “Quando se fala em capacitação, é preciso levar em conta, por exemplo, que a maioria dos professores têm uma carga de serviço muito pesada. Geralmente, dobram o turno de trabalho pra conseguirem um salário melhor. Assim, para muitos, não sobra tempo para o aprimoramento profissional. Se recebessem um salário justo, que permitisse a eles trabalhar em apenas um turno, haveria mais tempo para se capacitarem e teríamos, como consequência, uma melhoria na qualidade do ensino”.

Carla enxerga o professor brasileiro como um “guerreiro”, uma pessoa imbuída de uma missão especial – transmitir conhecimento. “É um profissional que se dedica a abrir as janelas da vida para outras pessoas. Essa é uma tarefa muito nobre e merecedora de todo o reconhecimento”.

O coordenador regional de Defesa da Educação e dos Direitos das Crianças e Adolescentes do Norte de Minas (Credca-NM), promotor de Justiça Danniel Librelon Pimenta, também chama a atenção para os esforços cotidianos empenhados pelos docentes no ofício de ensinar e ressalta que, durante a pandemia, esse empenho pôde ser visto com ainda mais clareza. “Tivemos muitos relatos de professores que, demonstrando imensa sensibilidade social neste período de isolamento, venceram dificuldades dos mais diversos tipos para fazer o conhecimento chegar aos seus alunos. Houve os que passaram o telefone pessoal para a turma, os que ensinaram fora da jornada de trabalho, os que foram até a residência dos estudantes, em áreas rurais, para levar os materiais didáticos, os que mantiveram contato com a turma através de rádios locais. Vimos um grande esforço criativo para ensinar”.

Adoecimento mental
No entanto, o enfrentamento de tantas dificuldades para cumprir o ofício de lecionar não tem ocorrido sem danos à saúde dos profissionais. Segundo Carla Lafetá, em inspeções a escolas da rede pública, antes da pandemia, já era comum ouvir dos docentes relatos de adoecimento mental por depressão, ansiedade e estresse, em decorrência de problemas como falta de estrutura, sobrecarga de trabalho e violências, de diversos tipos, no ambiente escolar. Com a pandemia, o quadro de adoecimento teria se agravado. “Pesquisas de abrangência nacional têm mostrado um aumento desses casos, em razão das rápidas mudanças impostas pelo ensino remoto, das dificuldades técnicas e das frustrações diárias decorrentes, em grande medida, desses entraves e das muitas vulnerabilidades sociais”, informa Carla.

Conforme Daniela Yokoyama, o Ministério Público precisa atuar para garantir que os membros da comunidade escolar, incluindo estudantes e professores, possam receber o atendimento devido para solucionar suas vulnerabilidades e questões de saúde mental, aprofundadas pela pandemia. “A contratação de profissionais da saúde para atuar na rede de ensino ou a devida articulação entre educação e rede de saúde local é uma necessidade. Percebemos que, com o isolamento social, esse quadro foi aprofundado, devido a muitos fatores, como a falta de alimentação, a dificuldade de acesso ao mundo digital, as vulnerabilidades sociais. Todas as desigualdades educacionais foram agravadas na pandemia. Nenhuma foi solucionada. Vamos precisar de muito tempo para ajustar tudo isso, e a sociedade precisa de um Ministério Público diligente e atuante na garantia da educação de qualidade para todos”.

Por outro lado, a promotora acredita que a chegada de novos recursos tecnológicos pode trazer ganhos importantes para o ensino, embora, em muitas escolas, os efeitos possam demorar a aparecer. “A tecnologia deve ser pensada como ferramenta pedagógica e incorporada na educação com equidade”.

De acordo com Daniela, o MPMG tem orientado gestores públicos sobre a necessidade de elaboração de planos de retomada das aulas presenciais, independentemente do momento em que se dará a abertura das escolas, uma vez que é preciso tempo para planejar. “O planejamento para o retorno presencial às escolas precisa levar em conta uma série de fatores, dentre protocolos sanitários, condições estruturais das escolas, mas também medidas de cuidados com a saúde mental dos docentes e dos estudantes e, em muitos casos, a contratação de novos profissionais, para que não gere sobrecarga de serviço. Tudo isso demanda planejamento”.

Melhoria das condições de trabalho
Na opinião do promotor Danniel Librelon, o cuidado com a saúde mental dos professores passa também pela adequação do espaço físico das escolas e pela criação de um ambiente escolar agradável. “Esses são aspectos essenciais e que fazem uma enorme diferença no ensino”, pontua.

O promotor destaca a relevância do trabalho de regulamentação formal de escolas públicas realizado, desde 2017, pela Coordenadoria Regional de Defesa da Educação e dos Direitos das Crianças e Adolescentes do Norte de Minas (Credca-NM) em parceria com a Superintendência Regional de Ensino. “Verificamos, a partir de notícias que chegaram ao MPMG, que havia muitas escolas na região sem autorização de funcionamento e com irregularidades cadastrais. Muitas delas sem estrutura, com salas precárias. Realizamos inspeções, verificamos a situação cadastral de cada uma, fizeram acordos e passamos a monitorar a situação. Foi um trabalho estrutural de vários meses, mas que gerou resultados importantes, com reflexos nas condições de trabalho dos professores e na qualidade do ensino”, avalia.

Na região do Rio Doce, a Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Educação e dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Credca-VRD) também vem adotando medidas extrajudiciais que repercutem diretamente na rotina dos professores. Entre elas, destacam-se a realização de reuniões e a expedição de ofícios e recomendações para sensibilizar escolas e órgãos de fiscalização para a necessidade de se efetivar o Atendimento Educacional Especializado, voltado a alunos com deficiência. “Temos atuado para garantir a contratação de professores de apoio, que são os profissionais habilitados para auxiliar esses estudantes a superarem suas dificuldades, e temos obtido sucesso nas intervenções”, comemora o coordenador regional do órgão, promotor de Justiça Marco Aurélio Romero.

A Credca-VRD também realiza inspeções nas escolas e promove medidas para melhorar a estrutura física e organizacional das unidades e, ainda, para garantir que as vagas de ensino sejam ocupadas por professores habilitados. Conforme Marco Aurélio, quando demandados por promotores de Justiça da região, o órgão também analisa planos municipais de educação, atentando-se para a questão do plano de carreira dos professores e para a reserva do mínimo de um terço da jornada de trabalho dos docentes para atividades extraclasse, como prevê a Lei Federal 11.738/2008.

Da sala de aula para o MPMG
No quadro de servidores do MPMG, há muitos profissionais que tiveram ou que ainda têm a experiência de lecionar na rede pública de ensino e que, de dentro do Ministério Público, contribuem ativamente para corrigir problemas vivenciados em sala de aula. É o caso da analista em pedagogia Andréa Costa Gualberto Alves, servidora da Credca-VRD, em Governador Valadares.

Andréa começou a exercer o magistério aos 17 anos, em 1990, na região do Vale do Aço. Atuou como professora por nove anos e como coordenadora por três anos. Depois, passou pela Superintendência Regional de Ensino de Coronel Fabriciano e, em 2008, ingressou no MPMG. Ela lembra com clareza das dificuldades enfrentadas neste período, como as condições inadequadas de trabalho, a falta de estrutura e os salários defasados. “Muitos colegas trabalhavam em mais de uma jornada, mas eu não considerava ser possível fazer um trabalho de qualidade dobrando o turno. Eu era professora polivalente, lecionava diferentes áreas de conhecimento. Na época, não tínhamos tempo reservado para planejamento das aulas e nem havia a possibilidade de ter um professor especifico para o aluno com deficiência”, conta.

Na opinião da pedagoga, a Lei 11.738/2008 (Lei do Piso Salarial) representou um grande avanço para os professores, embora muito ainda precise ser feito pela categoria. “Durante a pandemia, a necessidade e a importância desse profissional emergiram de forma cristalina. Mas é preciso que haja vontade politica para que os direitos da categoria sejam respeitados e para que tenhamos melhores condições de ensino”.

Hoje, na função de servidora do MPMG, Andréa diz se sentir na obrigação de colaborar, da melhor maneira possível, com a sociedade e alerta para a relevância de se discutir o tema. “Não há como garantir direitos das crianças e adolescentes se não nos atentamos para as condições de trabalho dos professores. Precisamos trabalhar muito nisso”.

 

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15/10/20

 

 

 

 

 

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