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Mariana, 5 de novembro de 2015. Às 16h20, a barragem de Fundão, de propriedade da mineradora Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton, se rompe, despejando cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Considerada a maior tragédia ambiental do país, o desastre matou pessoas, engoliu comunidades e plantações, poluiu cursos d’água, deixando um rastro de destruição em toda a bacia do rio Doce, em Minas Gerais, com reflexos até a foz do rio, no estado do Espírito Santo, e no oceano Atlântico.



Desde então, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) vem atuando em diversas frentes, buscando a reparação de danos e a compensação daqueles que são irreparáveis. De acordo com a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma), Andressa Lanchotti, a transversalidade do problema exigiu – e ainda exige – o empenho de diversas áreas de atuação do MPMG, notadamente Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e Turístico, Defesa da Fauna, Direitos Humanos, Inclusão e Mobilização Sociais e Fundações, garantindo uma atuação sinérgica nos aspectos socioambiental e socioeconômico.

Para Andressa, que coordena a força-tarefa que atua no caso, o diálogo e a atuação interinstitucionais também têm sido decisivos na garantia dos direitos e no suprimento de necessidades das vítimas do desastre. O MPMG tem trabalhado lado a lado com o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Ministério Público Federal (MPF), estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, União, e Defensorias Públicas da União, de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Ela destaca o sucesso na celebração de acordos – extrajudiciais e judiciais – e na obtenção de provimentos judiciais para prestação de assistência técnica e financeira às pessoas atingidas, reassentamento das comunidades, indenização pecuniária e reparação de danos. Além disso, busca-se a responsabilização dos envolvidos em diversas ações criminais, ressalvada a atuação do MPF em relação aos crimes relativos à sua esfera de atribuições. A coordenadora da força-tarefa ressalta ainda as negociações e contratações de auditorias independentes para a realização de estudos para o acompanhamento e monitoramento da reparação socioambiental.

“Uma importante vitória da força-tarefa foi a assinatura, em junho de 2018, de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC-Governança) que prevê a participação das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem em diversas instâncias decisórias e consultivas do processo de reparação. Por meio deste Termo, conhecido como TAC-Gov, foi também garantido aos atingidos o acesso a assessorias técnicas independentes, de modo a efetivar sua participação”, afirma Andressa.



O TAC Governança instituiu 19 comissões locais, formadas por pessoas atingidas residentes ou que realizem alguma atividade nos municípios afetados, que contam com a assistência de assessorias técnicas. Também foi criado um Fórum de Observadores, de natureza consultiva, cujo objetivo é acompanhar os trabalhos e analisar os resultados dos diagnósticos e das avaliações, bem como acompanhar os trabalhos da Fundação Renova, podendo apresentar críticas e sugestões. O acordo previu, ainda, a criação de seis Câmaras Regionais, que podem propor alterações, modificações, revisão e criação de programas e projetos destinados à reparação integral dos danos causados pelo desastre.  

O TAC-Gov reformulou o Comitê Interfederativo (CIF), cuja função é orientar, acompanhar, monitorar e fiscalizar a execução das medidas impostas à Fundação Renova, promovendo a interlocução permanente entre a fundação, os órgãos públicos e os atingidos. O CIF, que conta com a participação de pessoas atingidas e de integrantes dos Ministérios Públicos e Defensorias Públicas, funciona, efetivamente, como última instância decisória na esfera administrativa, e pode pedir o reexame de argumentos e de documentos apresentados pelas Câmaras Técnicas, órgãos técnico-consultivos criados para a discussão e busca de soluções às divergências relacionadas aos programas, projetos e ações de reparação dos danos.

Em 2019, buscando imprimir maior celeridade às ações de reparação, o MPMG, por meio do Caoma e da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), sugeriu a realização de reuniões técnicas para a definição de ações prioritárias. Após diversos encontros, foram definidos dez eixos prioritários de atuação, cada um com cronogramas de ações a serem realizadas pela Fundação Renova para garantir o andamento célere da reparação e a resolução adequada de questões consideradas fundamentais para garantia dos direitos das pessoas atingidas e para a recuperação do meio ambiente.

Atuação na defesa dos direitos dos atingidos
Desde o rompimento da barragem, o MPMG atua na defesa dos direitos das vítimas do desastre por meio de diversas ações judiciais e extrajudiciais, em diversos municípios ao longo da calha do rio Doce, nos quais milhares de pessoas sofreram os impactos da tragédia de forma e em intensidade diferentes. Além de 19 pessoas mortas, o desastre destruiu comunidades inteiras, modos de vida, meios de subsistência.  

Apenas na comarca de Mariana, a mais afetada com o rompimento da barragem, foram mais de 20 processos em cinco anos, entre Ações Civis Públicas, Cumprimentos de Sentença e Denúncias, para assegurar direitos humanos violados na tragédia. Também foram realizadas mais de 30 audiências judiciais com a Samarco e suas controladoras, com participação ativa dos atingidos nas decisões.



Logo após o desastre, o MPMG ajuizou Ação Cautelar para bloquear bens da Samarco, no valor de R$ 300 milhões, com a finalidade de assegurar recursos para indenizações e reconstrução das comunidades destruídas. Ainda em 2015, foi proposta Ação Civil Pública, com o objetivo de assegurar reparação integral às vítimas de Mariana: ações emergenciais, contemplando auxílios financeiros imediatos e moradia para as vítimas; indenizações definitivas, por todos os danos causados (materiais e imateriais); reassentamento e reconstrução das comunidades atingidas (Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Borba, Camargos, Campinas, Paracatu de Cima, Pedras e Ponte do Gama).

A ação já garantiu direitos como moradia em casas alugadas pelas empresas até três meses após o reassentamento, auxílio financeiro mensal às pessoas que perderam renda, compra de terrenos para reassentamento, indenização pela perda de veículos e antecipações parciais de indenização nos valores de R$ 10 mil para famílias que perderam moradia não habitual, R$ 20 mil para famílias que perderam a moradia habitual e R$ 100 mil para aquelas que tiveram parentes falecidos no desastre. Foram realizadas sete audiências nesse processo, garantindo a participação dos atingidos em decisões sobre temas como cadastro, indenizações e interrupção do prazo prescricional.

Em audiência realizada em 2018, ficou acordado que o pagamento do auxílio financeiro deverá ser efetuado até que sejam restabelecidas as condições para o exercício das atividades econômicas originais ou nova atividade, garantindo o pagamento por no mínimo um ano após a conclusão dos reassentamentos ou, para os que optarem por receber a indenização, pelo prazo de um ano após o recebimento da indenização final.

Um acordo, firmado também em 2018, permitiu que se desse início ao pagamento das indenizações finais, garantindo a reparação integral, com observância das informações contidas no cadastro aplicado pela assessoria técnica, assessoria jurídica aos atingidos, inversão do ônus da prova e interrupção da prescrição.  

 

Reassentamentos e reconstrução das comunidades  
Em novembro de 2017, um ano após o acordo para realização de reassentamento das comunidades destruídas, o MPMG pleiteou cumprimento de sentença homologatória, para que a Justiça determinasse um prazo para que as empresas cumprissem com as obrigações pactuadas. Segundo a decisão, as empresas e a Fundação Renova teriam até agosto deste ano para concluir todos os reassentamentos. No entanto, as empresas recorreram da decisão.

Ao todo, serão reassentadas 211 famílias no novo distrito de Bento Rodrigues. O projeto urbanístico foi aprovado em fevereiro de 2018 em Assembleia Geral dos atingidos, tendo a Fundação Renova iniciado as obras de infraestrutura em janeiro de 2019 e a construção da primeira casa em julho do mesmo ano. Em outubro de 2020, a construção de cinco casas, da escola, do posto de serviços e do posto de saúde está em andamento.  

Em Paracatu de Baixo, 97 famílias fazem parte do reassentamento coletivo. Para implantação da nova comunidade, foram aprovados, em 2018, dois projetos de lei pela Câmara Municipal, e, em 2019, a Secretaria Municipal de Obras emitiu o licenciamento urbanístico para início das obras de terraplenagem. Atualmente, estão sendo realizadas terraplenagem das vias de acesso e das áreas dos lotes, contenções, obras de bueiros de drenagem pluvial, adutora de água tratada e rede de esgoto. Foram iniciadas a construção de oito casas e da escola.  

As famílias que não desejam ir para reassentamentos coletivos ou que moravam em distritos parcialmente atingidos pela lama de rejeitos têm a possibilidade de optar pelo reassentamento familiar. Trata-se de modalidade que permite a compra de um imóvel em qualquer localidade. São 129 famílias, sendo que até o momento foram adquiridos 19 imóveis para reformar, 27 para construir e três lotes vagos, mas nenhuma das famílias de fato mudou-se para o imóvel escolhido.

Em alguns casos, as famílias podem optar por permanecerem em suas localidades, mediante reconstrução do imóvel destruído pela lama. Assim, 14 famílias estão atualmente nessa modalidade de atendimento, sendo que em nove casos já houve a entrega do imóvel. As demais, aguardam a conclusão de obras ou a elaboração dos projetos de reconstrução.

Ainda em relação aos reassentamentos, o MPMG pleiteou cumprimento de sentença homologatória, para que sejam fornecidos imóveis separados em condições dignas de habitabilidade para todos os novos núcleos familiares que se formaram, ou que vierem a se formar, depois do desastre, em virtude de novas uniões, divórcios, falecimentos, nascimentos e outras situações análogas, até o reassentamento da respectiva comunidade ou o reassentamento familiar.

Segurança de barragens de mineração
O rompimento da barragem de Fundão impôs ao MPMG o desafio de mensurar a extensão dos danos em todas as suas dimensões e buscar reparações. Mas a repetição do desastre, em janeiro de 2019, em Brumadinho, exigiu que o trabalho se ampliasse para um controle ativo da atividade e a busca por uma normatização mais efetiva para o setor. Desde então, ocorreram a aprovação da Lei Mar de Lama Nunca Mais (Lei Estadual nº 23.291), sua regulamentação, e a instituição de normas técnicas mais rígidas pelos órgãos reguladores da atividade mineradora. A segurança de barragens e a prevenção de desastres passaram a ser foco do MPMG.

 

Para garantir que as estruturas do Complexo Germano, do qual fazia parte a barragem de Fundão, atinjam os fatores de segurança definidos por normas brasileiras e pelas melhores práticas internacionais, o MPMG firmou, em 2017, acordo com a Samarco para o custeio pela mineradora de auditoria geotécnica, externa e independente, para todas as estruturas remanescentes, em planejamento e em construção no complexo, o que incluiu as obras de construção dos diques S3 e S4 para conter de maneira definitiva os cerca de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos restantes na região.

O acordo também possibilitou o acompanhamento, pela empresa de auditoria Aecom, do Plano de Manejo de Rejeitos, em execução pela Fundação Renova. Atualmente, nove estruturas do Complexo Germano – entre barragens, diques, cavas e pilhas de disposição de rejeitos e estéril – são acompanhadas pela Aecom.  

De acordo com Andressa Lanchotti, quando os trabalhos se iniciaram, algumas das estruturas remanescentes tinham fator de segurança abaixo do recomendável. “A barragem de Santarém, por exemplo, havia sido praticamente destruída e foi necessária a construção de uma nova barragem para garantir sua estabilidade. Já a barragem de Germano, a maior barragem de rejeitos alteada a montante na América Latina, havia sido fortemente impactada pelo rompimento da barragem de Fundão, e a quantidade de informações a respeito da estrutura era insuficiente para garantir sua segurança. Hoje, a barragem possui todos os fatores de segurança acima dos exigidos pela norma brasileira e sua instrumentação e monitoramento foram adequados aos mais modernos benchmarks internacionais”, esclarece a coordenadora da força-tarefa.

Segundo Andressa, outro trabalho importante desenvolvido pela Aecom é o acompanhamento do planejamento e da execução das obras de recuperação do reservatório e das estruturas integrantes da Usina Hidrelétrica de Risoleta Neves, fornecendo informações e subsídios técnicos à atuação do MPMG. Esse trabalho é resultado de Termo de Acordo Judicial firmado em outubro de 2017 entre o MPMG e a Samarco.  

Mudança da legislação
Após o rompimento da barragem, o MPMG capitaneou o projeto de lei de iniciativa popular denominado Mar de Lama Nunca Mais, que foi apresentado em junho de 2016 à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com cerca de 60 mil assinaturas. No entanto, apesar dos esforços empreendidos, a tramitação do projeto não avançava. Com o rompimento das barragens em Brumadinho, e um cenário político mais favorável, o MPMG intensificou sua atuação junto aos parlamentares mineiros em defesa do projeto de lei. A mobilização culminou na aprovação da Lei nº 23.291, de 25 de fevereiro de 2019.

 

O novo marco regulatório traz aprimoramentos concretos para a disposição de rejeitos de mineração. Segundo Andressa Lanchotti, o cerne da lei Mar de Lama Nunca Mais está na proibição da construção ou alteamento de barragens em locais onde forem identificadas comunidades nas zonas de autossalvamento, que é uma área abaixo da barragem, para onde correm os rejeitos caso ocorra um desastre. Se isso ocorrer, em regra, não há tempo hábil para essas pessoas serem resgatadas ou socorridas pelo Poder Público, frente à rapidez da onda de inundação.

Há ainda a proibição da construção e do alteamento de barragens pelo método a montante, a determinação de descaracterização de todas as barragens a montante existentes no estado de Minas Gerais e a previsão de uma caução ambiental, que obriga o empreendedor a garantir os custos da desativação das barragens e dos possíveis danos socioambientais e socioeconômicos que um desastre envolvendo tais estruturas possa ocasionar.

Outro ponto importante se refere ao processo de licenciamento de empreendimentos contendo barragens de rejeitos, que deve ser dividido em três fases, Licença Prévia, de Instalação e de Operação, não podendo esses empreendimentos serem submetidos a licenciamento simplificado. Em cada uma delas, são feitas exigências específicas, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima).  

Retomada das atividades da Samarco
O MPMG também vem atuando para que o retorno das atividades da mineradora Samarco seja precedido da adoção de medidas que garantam a segurança do empreendimento. Além de auditorias nas estruturas remanescentes do Complexo Germano e de obras para a implantação de novas estruturas de contenção, o licenciamento ambiental foi condicionado à adoção das melhores técnicas disponíveis para a disposição de rejeitos, à garantia de segurança da população, à proteção do meio ambiente e à utilização sustentável dos recursos naturais.

Tendo em vista que a mineradora é proprietária da maior barragem de rejeitos alteada a montante da América Latina – a barragem de Germano – e, portanto, a que possivelmente causará maiores impactos sociais e ambientais durante sua descaracterização, a coordenadora do Caoma, Andressa Lanchotti, explica que uma das grandes preocupações que surgiram em decorrência da atual situação de Minas Gerais é o impacto que pode ser causado pela descaracterização simultânea de todas as barragens alteadas a montante no estado, muitas delas localizadas no Quadrilátero Ferrífero. “Com muitas das descaracterizações se iniciando em 2021, há um risco de se provocar uma escassez de insumos e de mão de obra qualificada, assim como grande sobrecarga da infraestrutura da região”, alerta.

Em razão disso, o Caoma, por ocasião do julgamento da Licença de Operação Corretiva (LOC) da Samarco, no Comitê de Políticas Ambientais (Copam), requereu a inclusão de uma condicionante específica para a realização de uma Avaliação Ambiental Integrada (AAI) das obras de descaracterização de barragens em Minas Gerais.

A AAI deverá ser custeada pela mineradora e executada por empresa independente e de reconhecida expertise, que prestará informações aos órgãos de estado sobre os efeitos das ações de fechamento e descaracterização da barragem de Germano e de outras estruturas existentes em um raio de 100 quilômetros do complexo. O Termo de Referência para a AAI foi elaborado pelo MPMG e pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), e a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), ligada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), foi escolhida para realizar o estudo.

O estudo deverá realizar uma análise integrada de impactos cumulativos ambientais e sociais causados pelas descaracterizações, contando com uma audiência pública para garantir a participação popular, e culminará na elaboração de um relatório final a ser entregue ao órgão ambiental. Conforme Andressa Lanchotti, “a finalidade do estudo é possibilitar que os órgãos públicos competentes tracem estratégias, tomem decisões e implementem ações adequadas ao planejamento, autorização e acompanhamento das obras de descaracterização de barragens. Além disso, ao avaliar os impactos cumulativos das obras de descaracterização, o trabalho irá propor diretrizes para evitar, reduzir ou compensar os impactos socioambientais adversos e potencializar os impactos ambientais positivos, considerando os riscos envolvidos nas obras”, conclui.

 

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29/10/20

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