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Mauro da Fonseca Ellovitch, promotor de Justiça e coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate aos Crimes Cibernéticos do MPMG (Gaeciber)

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Enquanto parte do país se mobiliza em relação à notícia de exploração sexual infantil na Ilha de Marajó, não é dada a devida atenção e gravidade para o local onde esse tipo hediondo de crime mais prolifera: a internet. Dados recentes da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos revelam um aumento de 77,13% nos registros de novos casos de abuso e exploração sexual infantil on-line em relação a 2022. É preciso urgência na conscientização, na investigação e na punição da chamada “pornografia infantil”.

A expressão “pornografia infantil” é usada popularmente para se referir a fotos e vídeos decorrentes de abuso e exploração sexual infantojuvenil. O próprio termo “pornografia infantil” minimiza crimes da mais alta gravidade. Pornografia pode ser definida como representação, para fins recreativos, da nudez ou atividade sexual consensual, geralmente decorrentes de produções profissionais entre adultos. Isso está longe de ser o caso da exploração de nudez e sexo envolvendo crianças.

Além dos danos físicos e psicológicos de praticarem atos sexuais muito jovens (geralmente estupros de crianças com menos de 10 anos), as vítimas sofrem por serem filmadas e fotografadas em seu momento de maior medo, confusão e sofrimento. Mais tarde, descobrem que o produto dessa violência é difundido e acessado por pedófilos.

No Brasil, várias condutas referentes a fotos e vídeos de exploração sexual infantojuvenil são consideradas crimes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O que muitos não sabem é que isso inclui mesmo quem não praticou diretamente o ato na foto ou vídeo. Também comete crime a pessoa que participa da produção, direção, comercialização, transmissão, oferecimento, ou mesmo da publicação e compartilhamento gratuito desse conteúdo. Além disso, a lei penal pune quem adquire, possui ou armazena esse tipo de fotos ou vídeos em computadores, celulares ou em “nuvem”.

Trata-se de um ciclo nefasto que merece punição em todos os seus elos. Há quem defenda que a posse de fotos e vídeos sem participação direta do usuário não seria tão grave e que autoridades deveriam focar em prender quem cometeu o estupro. Uma corrente mais extremada se manifesta contra as restrições para aplicativos e redes sociais que não cumprem a obrigação legal de atender a ordens judiciais de revelar dados de criminosos às autoridades.

Esses posicionamentos convenientemente ignoram que a troca e o armazenamento de fotos e vídeos de crianças e adolescentes são parte do fetiche de muitos pedófilos, estimulando a realização de atos de violência sexual. Em investigações do Gaeciber do MPMG identificou-se que diversos predadores sexuais combinam, em redes sociais, a troca de conteúdo e até de vítimas para abuso. Há casos de pais aceitando dinheiro para a participação de seus filhos nesses vídeos. Uma cifra oculta milionária impulsiona o mercado digital de exploração sexual infantil.

Não existe “pornografia infantil”: é abuso e exploração. Nunca é conduta sem violência. Para toda foto ou vídeo que é compartilhado na internet, há sempre a violação e o sofrimento de uma criança.

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 9 de abril de 2024

 

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