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Neste sábado, 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, o MPMG destaca a importância dos dados na construção de políticas públicas para o enfrentamento do problema

 

 

O trabalho contínuo pelo fim da violência contra as mulheres tem nos dados um grande aliado. São as informações ou até mesmo a falta delas que permitem compreender o contexto em que as agressões acontecem, os perfis dos autores, das vítimas, as regiões em que há mais risco de feminicídios, entre outros. Quanto mais detalhado esse mapeamento, inclusive com fontes diversas e o olhar também voltado para particularidades regionais, mais chances de desenvolver políticas públicas efetivas no enfrentamento do problema.  

A discussão sobre o tema ganha destaque neste sábado, 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, também conhecido como Dia Laranja. Nesta data, o mundo todo inicia os 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher, que se encerrará em 10 de dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos. No Brasil, a campanha tem início em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, somando 21 dias de ativismo.   

Dados do MPMG 

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAOVD) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), promotora de Justiça Patrícia Habkouk, ressalta que a instituição atua em todos os procedimentos decorrentes da Lei Maria da Penha e tem importância destacada, também, na atuação extrajudicial. “Assegurar a mulheres e meninas o direito a uma vida livre de violência constitui um grande desafio e quanto maiores os meios e instrumentos para realizar esta tarefa, mais chances temos de avançar”, ressalta.  

Neste contexto, ela lembra a relevância do preenchimento do Cadastro Nacional da Violência Doméstica (CNVD) por promotores e promotoras de Justiça de Minas, conforme exigência prevista na Lei Maria da Penha (lei federal 11.340, de 2006). Patrícia esclarece que a determinação da lei ganhou concretude pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) - órgão que recebe os dados do Ministério Público para compilação desse cadastro -, por meio da Resolução CNMP nº 135/2016, alterada pela Resolução CNMP nº 167/2017.  

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“O cadastro tem o objetivo de dar uma dimensão sobre os procedimentos que envolvem violência doméstica e, assim, servir de subsídio para a fiscalização e fortalecimentos de políticas públicas destinadas ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher”, ressalta Patrícia.    

Com os processos eletrônicos, parte dos dados é inserida automaticamente pelo sistema do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que reúne os dados das ações judiciais. A outra parte cabe ao MPMG alimentar na sua própria ferramenta on-line utilizada para o registro e tramitação de feitos na instituição, o SRU-e. Dessa forma, promotores e promotoras de Justiça devem preencher apenas três campos, na aba CNVD: número da ocorrência policial, ambiente da agressão e vínculo do agressor ou agressora com a vítima. 

Recentemente, os sistemas eletrônicos utilizados pelo MPMG foram aperfeiçoados pela Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) e, somente agora, os integrantes da instituição têm condições de preencher os dados exigidos pelo CNMP, deixando de ser o único Ministério Público que não cumpria esta exigência legal. 

A promotora de Justiça salienta ainda a pertinência dos dados para construção de políticas públicas com o intuito de fortalecer as mulheres em situação de violência, de ter um olhar para os homens autores e de atuar na prevenção dessa prática tão avassaladora. “Quando uma mulher sofre violência doméstica, ela precisa e tem direito ao acolhimento integral. As áreas da Saúde, Assistência Social, Educação, Segurança Pública e Justiça, entre outras, devem oferecer respostas adequadas para reparar os danos sofridos e restabelecer a integridade física e psicológica da mulher”, afirma Patrícia.  

De acordo com ela, para que isso aconteça, são necessários serviços especializados com condições adequadas para receber essas demandas. "Os serviços que atendem às mulheres necessitam de um olhar específico e, por isso, ter políticas públicas com recorte de gênero faz toda a diferença”, conclui. 

A promotora de Justiça comenta que foi a análise de números de feminicídios de Minas Gerais que deu origem ao projeto do CAOVD para implantação das unidades de prevenção à criminalidade com recorte específico no enfrentamento à violência contra a mulher. Esse projeto, fruto da parceria com o Fundo Especial do MPMG (Funemp) e a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), elegeu três comarcas mineiras com fundamento nos dados do Diagnóstico de Violência contra a Mulher nas Regiões Integradas de Segurança Pública no Estado de Minas Gerais (RISP): Curvelo, Barbacena e Pouso Alegre. “No primeiro ano do projeto, já sentimos a redução dos dados de feminicídio”, conta. 

Desafios no interior 

Ao assumir a Promotoria de Justiça Única de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha, em agosto de 2023, o promotor de Justiça Henrique Magalhães Filogonio foi informado, pelos servidores e representantes de outros órgãos públicos, que o principal problema local eram os casos de violência doméstica. Na comarca, que abrange os municípios de Novo Cruzeiro, Cajaí, Catuji e Itaipé, os índices de feminicídios são mais altos do que a média de Minas Gerais e da região de Teofilo Ottoni, assim como é grande o número de inquéritos policiais, ações judiciais em tramitação e audiências na área.  

“Os desafios para atuação no enfrentamento da violência doméstica são enormes”, disse Filogonio. Ele explica que a comarca de Novo Cruzeiro é especialmente pobre e com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), possui municípios com grande extensão territorial, ou seja, as distâncias são longas, a maior parte da população está na zona rural e, além disso, há poucos recursos para estruturar serviços públicos especializados no atendimento à mulher.  

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Segundo o promotor de Justiça, existe uma dificuldade de a mulher pedir apoio do poder público, o que faz com que muitos casos de agressões não cheguem ao conhecimento dos órgãos competentes. “Eu já ouvi relatos de mulheres dizendo que os episódios de violência são muito comuns, mas elas não conseguem pedir ajuda porque essas agressões ocorrem à noite e a polícia não chega na comunidade nesse horário”, comentou. 

A pedido de Filogonio, o CAO de Violência Doméstica do MPMG fez um estudo da comarca com dados quantitativos e qualitativos, além de uma análise da estrutura de serviços da rede de apoio na região. Esse estudo esclareceu as deficiências locais, como a falta de capacitação especializada no atendimento à mulher, a ausência de um local para abrigar as vítimas para que elas possam se distanciar do agressor, a carência de creches para deixar os filhos, entre outros.  

Na avaliação dele, o preenchimento do CNVD pelos promotores do MPMG pode contribuir muito para o trabalho que já é feito. “Toda política pública precisa ser baseada em dados, que devem ser coletados de forma contínua, inclusive para verificar a eficiência daquela política, se deu certo ou não e por quê”, comenta. 

 Ele também enfatiza a necessidade de levar em consideração as situações que não aparecem nos dados, como os casos em que não são registrados boletins de ocorrências. “Eu observo que é comum as vítimas só procurarem a polícia depois que já aconteceram vários episódios de violência”, conta.    

Ele cita um exemplo do relatório feito pelo CAOVD que mostra que, de 2016 a 2022, houve um crescimento no número de feminicídios, mas uma diminuição na quantidade de tentativas de assassinatos às mulheres. “Essa queda pode indicar, possivelmente, que há uma barreira no acesso das vítimas ao poder público e não uma redução real no número de casos.” Filogonio comenta também que a área da Saúde, por exemplo, pode dispor de dados complementares, pois, em situações de agressão, muitas vezes, as mulheres procuram hospitais ou postos de saúde, mas não a polícia.  

O promotor de Justiça ressalta a necessidade do trabalho em conjunto de todos os órgãos públicos que integram a rede de proteção às vítimas de violência doméstica para que as políticas públicas realmente funcionem. “Essa união propicia uma visão mais detalhada e mais próxima da realidade, assim como uma atuação mais coordenada e efetiva. Não adianta atuarmos de forma isolada”, conclui.  

Pesquisa no Vale do Mucuri 

A conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Juliana Lemes da Cruz defendeu, em maio deste ano, sua tese de doutorado sobre crimes de feminicídio íntimo no âmbito da Segurança Pública e Sistema de Justiça Criminal. A pesquisa conta com um recorte 20 municípios das comarcas de Malacacheta, Águas Formosas, Nanuque, Teófilo Otoni e Carlos Chagas, no Vale do Mucuri, e teve o objetivo de identificar as lacunas de políticas públicas no enfrentamento da violência contra a mulher.   

Assistente social de formação, Juliana é policial militar de Minas Gerais e atua em Teófilo Otoni. Foi a partir da experiência como integrante da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica da Polícia Militar que surgiu a ideia da tese. “Eu via muitas mulheres em situação de violência e percebia que as políticas públicas não alcançavam todas elas”, conta.   

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Os dados avaliados na tese de doutorado contam com 15 feminicídios íntimos (cometidos por homens parceiros ou ex-parceiros em relacionamentos heterossexuais) que ocorreram entre 2016 e 2020. A tese concluiu que as mulheres assassinadas eram majoritariamente negras, pertenciam à classe trabalhadora prestadora de serviços, tinham baixa escolaridade, eram casadas ou em união estável. Do total de 15 crimes, somente dois tinham boletins de ocorrência precedentes, relatando as agressões. Os outros 13 casos, ou seja 86%, eram desconhecidos pelos órgãos de segurança pública. “Esses feminicídios, certamente, são resultado de anos ou meses de violência. Não são pontuais”, explica Juliana. 

Entre as hipóteses para a subnotificação estão a falta de clareza da mulher sobre seus direitos para buscar ajuda, ausência de serviços especializados, falta de confiança nas instituições públicas, ausência de grupos de apoio, ineficiência do serviço 190 na região.   

Na conclusão da pesquisa, Juliana afirma que há um desprezo da potencialidade do ‘não dado’. “A política se faz a partir de dados. Se eles não aparecem é como se o problema não existisse. O ‘não dado’ é problemático porque esconde uma questão a ser resolvida e sabida, em razão da evidência da expressão mais gravosa dele. No caso, o feminicídio íntimo”, diz o texto da tese.  

Além da problemática do ‘não dado’, o trabalho de Juliana identificou ainda as seguintes limitações na proteção de mulheres e meninas: reatividade das ações nos serviços públicos, espetacularização do fenômeno da violência doméstica contra a mulher, desatenção às especificidades locais e regionais, treinamento profissional ineficaz, ausência de protocolos locais, precarização da rede de atendimento e métrica da produtividade profissional.  

Ela ressalta que é necessário fazer uma qualificação dos dados, a partir da análise deles no contexto histórico da região, atentando para a realidade de cada território. “Não podemos construir uma política pública para o interior com o olhar da capital. Isso não vai funcionar. Por isso, dados não podem ser vistos de forma isolada e deve haver um trabalho conjunto entre os órgãos públicos, até mesmo para conhecer as deficiências de cada um deles”, destaca.   

Sobre o preenchimento dos dados, por promotores e promotoras de Justiça, no Cadastro Nacional de Violência Doméstica, Juliana considera muito importante tanto para a construção de uma base nacional quanto para conhecer melhor a realidade da comarca. Ela lembra ainda que, para vencer a violência contra a mulher, deve haver um olhar voltado para o autor do crime, pois os fatores que levam os homens a serem agressivos são culturais e sociais. “É uma construção social. É estrutural. Não é doença, nem culpa do álcool”, afirma. De acordo com ela, é necessário haver uma reeducação para mudar esse cenário. 

 

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