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Nesta segunda-feira, 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos. Assinada em 13 de julho de 1990, a Lei nº 8.069/1990 estabeleceu os direitos e os deveres de meninas e meninos com menos de 18 anos, para os quais foram fixadas medidas especiais de proteção e assistência a serem executadas, conjuntamente, pela família, pela comunidade e pelo Poder Público.

Fruto de uma construção coletiva, o ECA incorporou à legislação brasileira avanços previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, consolidando direitos e garantias que já tinham sido fixados pela Constituição Federal e conquistando, em razão de sua qualidade e abrangência, o reconhecimento internacional.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CAO-DCA) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), promotora de Justiça Paola Domingues Botelho Reis de Nazareth, recorda que a Constituição Federal de 1988 foi a grande responsável pela mudança de paradigmas no tratamento de crianças e adolescentes no Brasil, já que, em seu artigo 227, reconheceu esses indivíduos como sujeitos de direito e assegurou a eles, com absoluta prioridade, proteção integral. “Antes disso, crianças e adolescentes não era sujeitos de direitos, mas sim objeto de intervenção do Estado. Passamos de um paradigma de assistencialismo para um novo cenário, pós ECA, em que aos direitos do público infantojuvenil correspondem deveres da família, da sociedade e do Estado”, explica.

Ainda segundo a promotora, o Código de Menores, que vigorou antes do ECA, se limitava a tratar crianças e adolescentes em situação irregular, e nesse grupo se enquadravam apenas os carentes, delinquentes e negligenciados de alguma maneira. “Não era uma legislação que se estendesse a todas as crianças e aos adolescentes. A doutrina da proteção integral veio a ser consolidada em nosso país principalmente a partir da promulgação do ECA”, reforça.

Na visão do promotor de Justiça Jadir Cirqueira de Souza, que trabalhou por mais de 15 anos na defesa dos direitos desse grupo em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, o ECA provocou uma mudança drástica no sistema legislativo e vem sendo colocado em prática na medida que as pessoas o conhecem melhor e percebem a sua qualidade. “O grande problema é que, apesar de o estatuto já ter 30 anos, ainda há muito desconhecimento sobre ele. Percebemos que nas localidades onde existe uma compreensão maior sobre a legislação, a proteção das crianças e dos adolescentes é também maior. Por outro lado, onde não há esse domínio, apela-se apenas para a repressão, que é também um aspecto do estatuto, mas que, se não estiver associado às políticas de prevenção, não apresenta qualquer eficácia”, considera.

A cultura punitivista existente na sociedade brasileira é, de igual forma, apontada pela coordenadora da Comissão de Justiça e Práticas Restaurativas do Fórum Permanente do Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte, promotora de Justiça Danielle Arlé, como uma grande barreira à implementação do ECA. Para ela, o modelo de proteção plasmado pelo estatuto ainda está distante de ser concretizado pelo fato de a sociedade ainda não ter substituído as lentes punitivas e tutelares, de modelos anteriores, pelas protetivas, estabelecidas pelo sistema atual. “Ainda não vencemos o modelo anterior. Crianças e adolescentes apenas são vistos quando cometem um ato infracional. No entanto, pesquisas do mundo inteiro já demonstraram que a punição não é capaz de prevenir a violência. Pelo contrário, ela gera o que chamamos de compasso da violência, pois reestimula essa prática. Enquanto não atendermos as necessidades reais desse grupo, não evitaremos que a violência aconteça”, observa.

Na avaliação do promotor de Justiça cooperador junto ao CAO-DCA Márcio Rogério de Oliveira, nesses 30 anos de ECA, o Brasil registrou alguns avanços em áreas importantes, como no combate à exploração e à violência sexual, na promoção do direito à convivência familiar e comunitária e nas ações para a erradicação do trabalho infantil. No entanto, ele lamenta que as medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto ainda não tenham sido devidamente implementadas. “Em relação às medidas em meio aberto, por exemplo, a Política Nacional não contempla os municípios pequenos, e isso é um problema muito grande, pois faz com que os adolescentes que praticam atos infracionais nessas localidades cheguem direto no sistema fechado”.

A falta de estrutura e, em alguns casos, a inatividade de conselhos municipais em centenas de municípios mineiros também é apontada pelo promotor como um desafio à efetivação dos direitos da criança e do adolescente, além das adversidades no cenário político nacional. “Vivemos um momento político delicado com riscos de retrocesso no que já foi implementado após a edição do Estatuto, em decorrência do enfraquecimento de algumas políticas públicas”.

A importância do diálogo e da articulação entre todos os órgãos que atuam na proteção dos direitos da criança e do adolescente é destacada também pelos promotores de Justiça. Na visão do coordenador regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Educação e dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes do Vale do Rio Doce, promotor de Justiça Marco Aurélio Romeiro Alves Moreira, a implementação do trabalho em rede é dificultada pela visão paternalista da sociedade, que leva os atores sociais a buscarem sempre uma autoridade do sistema de Justiça, como o juiz ou o promotor, para solucionar os problemas que aparecem. “A legislação anterior tinha essa visão totalitária, fixando um papel tutelar para o Estado. Mas o que o ECA propõe é diferente. Ele propõe a formação de uma rede de proteção, integrada por vários atores, de forma horizontal e sem hierarquia. É preciso que todos os órgãos trabalhem juntos, que se reúnam para discutir e avaliar as medidas a serem implementadas”, pontua.

Reordenamento
Segundo Paola Domingues, a nova visão constitucional sobre as crianças e adolescentes passou a exigir dos promotores de Justiça contínuos esforços para a concretização dos direitos desse grupo. Ela ressalta que, em busca da efetivação do ECA, o MPMG tem focado sua atuação, do ponto de vista da tutela coletiva, especialmente no reordenamento das políticas públicas e dos equipamentos de proteção das crianças e dos adolescentes, trabalhando para que os serviços prestados estejam adequados às normativas e para que contem com os recursos necessários ao alcance dos objetivos propostos. “Após 30 anos de vigência do Estatuto, algumas políticas já estão sedimentadas. O momento é de fomentar a implantação daqueles serviços ainda não existentes e de buscar o aprimoramento daqueles já em funcionamento, a fim de que se mostrem mais eficientes para atender as finalidades da lei. Por isso, o foco tem sido o reordenamento de equipamentos, como, por exemplo, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que atuam não só junto às crianças e aos adolescentes, mas também junto às suas famílias”.

A coordenadora do CAO-DCA ressalta que a existência desses equipamentos não basta para fazer cumprir a lei. “É preciso observar a adequação de suas estruturas, garantir que eles trabalhem com os recursos humanos necessários e qualificados para o desempenho das atividades”. Ela reforça, ainda, a importância da fiscalização dos serviços de atendimento à criança e ao adolescente pelo Ministério Público e das iniciativas que visem ao fortalecimento dos Conselhos Tutelares, dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Os esforços do MPMG para a garantia dos direitos do público infantojuvenil incluem, ainda, a implementação ou criação de iniciativas de grande relevância por parte de promotores de Justiça, servidores e estagiários em todo o estado. Para que se tenha uma ideia da amplitude e da complexidade do trabalho realizado, serão apresentadas cinco iniciativas: o acordo de expansão do sistema socioeducativo estadual; o fomento do serviço de acolhimento familiar; a criação de fluxos de atendimento para a realização da escuta especializada e do depoimento especial; o Programa de Justiça Restaurativa nas Escolas de Belo Horizonte (NÓS); e o Programa Descubra!, voltado à profissionalização de adolescentes e jovens na capital mineira.

A expansão do sistema socioeducativo estadual
Entre as várias previsões do ECA, está a responsabilização de crianças e adolescentes que cometem atos infracionais, por meio das medidas socioeducativas. No entanto, o cumprimento deste ponto do estatuto esbarra em uma grande barreira: a falta de estrutura na maioria dos municípios para a execução das medidas, tanto em meio aberto, uma vez que poucos dispõem de Creas, como em centros de internação.

Conforme Márcio Rogério, uma média anual de 1.000 sentenças de internação de adolescentes são descumpridas todos os anos em Minas Gerais por falta de vagas. A fim de investigar esse quadro e sanar as demandas, foi instaurado um Inquérito Civil de abrangência estadual, que resultou na assinatura de um termo de pactuação com o estado de Minas Gerais, em 2017, para a implantação de 18 novas unidades destinadas à internação por prazo indeterminado e à internação provisória e de 29 novas unidades destinadas execução da medida socioeducativa de semiliberdade para adolescentes. Ao todo, as novas unidades representariam cerca de 2.450 novas vagas no sistema, em todas as regiões do estado.

As articulações para o acordo tiveram início em 2015, e a expectativa é que o termo seja ratificado neste mês. Algumas definições, segundo Márcio Rogério, serão revistas em razão da crise fiscal e dos reflexos da pandemia do coronavírus. Ainda segundo o promotor, a transição de governos atrasou o cumprimento das metas pactuadas em 2017, mas, em algumas localidades, os terrenos já foram disponibilizados. No município de Alfenas, a obra do centro de internação já foi iniciada. “Os compromissos assumidos pelo Estado neste termo podem representar um avanço superior a tudo que foi realizado até hoje na política estadual de atendimento socioeducativo, desde a promulgação do ECA. Esperamos ver os resultados dessa articulação nos próximos anos”.

Em Belo Horizonte, os resultados apresentados pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH), inaugurado em 2008, demonstram a importância dos investimentos nas políticas públicas e nos equipamentos necessários para o cumprimento das medidas socioeducativas. Os números do Judiciário revelam que, nos primeiros anos de funcionamento do CIA-BH, as estatísticas de atos infracionais na capital mineira começaram a cair, baixando de 9864 apreensões de adolescentes em 2010 para 6838 apreensões em 2019, o que representa uma redução de 30,68%.

De acordo com Márcio Rogério, além de contribuir para a redução dos atos infracionais, o CIA-BH vem colaborando para a redução do tempo de conclusão dos procedimentos judiciais e da execução das medidas e favorecendo a atenção à doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, já que possibilitou a atuação, em um mesmo espaço físico, de uma equipe interinstitucional e multiprofissional, composta por juízes, promotores de Justiça, defensores públicos, delegados de Polícia, assistentes sociais, psicólogos, comissários, policiais civis e militares, funcionários da Subsecretaria de Estado de Atendimento das Medidas Socioeducativas e da Prefeitura Municipal.

A criação do órgão é resultado da conjugação de esforços do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Secretaria de Estado de Defesa Social e de sua Subsecretaria de Estado de Atendimento as Medidas Socioeducativas, da Defensoria Pública, do serviço de apoio técnico do Poder Judiciário, da Polícia Civil e da Polícia Militar e da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

O MPMG está presente no CIA-BH com toda a estrutura da 23ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (área infracional).

Serviço de acolhimento familiar
Previsto pelo ECA em seu artigo 101 e internacionalmente reconhecido como a forma de acolhimento mais adequada para a proteção das crianças e dos adolescentes que, por algum motivo, tenham que ser afastadas de suas famílias, o serviço de acolhimento familiar tem recebido atenção especial do CAO-DCA. Ele permite que esses meninos e meninas sejam acolhidos por uma família provisória, em vez de serem encaminhados para abrigos, enquanto aguardam a reintegração familiar ou, em último caso, a adoção.

Apesar de o serviço já estar previsto no ECA desde 2009, apenas 20% das unidades de acolhimento do país oferecem a modalidade familiar, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Em Minas Gerais, somente 175 das 609 unidades realizam o serviço. Entre os municípios mineiros, Uberlândia é, atualmente, referência nesta modalidade de acolhimento, possuindo hoje mais crianças e adolescentes em famílias acolhedoras do que institucionalizados.

O serviço foi instituído no município em 2015, por meio da lei municipal nº 12.103/2015, após a iniciativa do promotor de Justiça Jadir Cirqueira, que encaminhou a sugestão do projeto de lei para a Câmara Municipal. O projeto foi aprovado e, na sequência, famílias e equipes técnicas começaram a ser capacitadas para a prestação do serviço. Hoje, Uberlândia possui 30 vagas, criadas oficialmente, no acolhimento familiar e aguarda a criação de outras 15. Há, na cidade, atualmente, 30 crianças e cinco adolescentes em famílias acolhedoras, enquanto o número total de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento é de 28.

O promotor de Justiça Epaminondas da Costa, da 20ª Promotoria de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Uberlândia, explica que, para cada grupo de quinze crianças e adolescentes em acolhimento familiar, existe uma equipe técnica, integrada, no mínimo, por um psicólogo e um assistente social, acompanhando o serviço, além de uma coordenação comum para todas as equipes técnicas. O serviço é executado por uma entidade do terceiro setor, e cada família acolhedora recebe mensalmente uma bolsa auxílio paga pela prefeitura de Uberlândia, conforme estabelecido na lei municipal.

Epaminondas enumera alguns dos benefícios do serviço, como o olhar individualizado para cada criança e adolescente acolhido e a garantia do direito à convivência familiar e comunitária. “Nas famílias, a atenção dedicada a esses meninos e meninas é muito maior, é um atendimento individualizado, de melhor qualidade. Temos visto na prática os bons resultados desse serviço. Em alguns casos, a relação de afeto e confiança estabelecida no ambiente familiar permite que a criança revele abusos sofridos e exponha necessidades que no dia a dia das instituições não apareceriam, devido ao grande número de pessoas atendidas”. Segundo o promotor, tanto as crianças e os adolescentes atendidos quanto as famílias são preparados por psicólogos para vivenciar a experiência como algo transitório.

O promotor de Justiça Jadir Cirqueira também comenta sobre os cuidados tomados para que o acolhimento familiar seja uma rota de passagem. “Famílias que têm a intenção de adotar, por exemplo, não podem realizar o acolhimento. Isso tudo é investigado em entrevista. Há um grande cuidado para que o acolhimento familiar cumpra o seu papel”.

Os promotores destacam, ainda, que toda política pública voltada para a criança e para o adolescente deve ter como foco a família, de forma que a institucionalização ocorra apenas em situação excepcional. “Um serviço não exclui o outro, embora saibamos que do ponto de vista humano e da proteção, o acolhimento familiar produz melhores resultados”, pontua Epaminondas.

Hoje, cada uma das instituições de acolhimento de Uberlândia mantém número restrito de acolhidos, chegando a no máximo dez, sem prejuízo do valor da subvenção repassada mensalmente a elas pela Prefeitura. Com dez ou um único acolhido, o valor mensal da subvenção é o mesmo, conforme observa Epaminondas. A medida é resultado de um inquérito civil instaurado pela 20ª Promotoria de Justiça de Uberlândia e busca desestimular a manutenção do acolhimento institucional.

Escuta especializada e depoimento especial
O cuidado em relação à forma como crianças e adolescentes em situação de violência são ouvidos também é hoje uma preocupação do MPMG. A escuta especializada e o depoimento especial são institutos que foram inseridos no ECA pela Lei 13.431/2017 com o objetivo de regulamentar os procedimentos, a fim de que eles não causem mais danos às vítimas ou testemunhas de situações violentas.

Na escuta especializada, uma entrevista é feita com a criança ou com o adolescente pelos órgãos da rede de proteção, em ambiente adequado, com o objetivo de assegurar o acompanhamento dessa pessoa para a superação das consequências da violação sofrida. A entrevista limita-se ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados. Já o depoimento especial constitui um procedimento de oitiva perante a autoridade policial ou judiciária, no curso de uma investigação ou ação penal, com o objetivo de apurar os fatos e de responsabilizar os autores.

Segundo Paola Domingues, nos últimos meses, o CAO-DCA tem realizado reuniões com representantes de órgãos que compõem a rede de proteção dos direitos da criança e do adolescente em âmbito estadual, como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), as Polícias Civil e Militar, as Secretarias Estaduais de Saúde, Desenvolvimento Social e Educação, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública, a fim de que seja celebrado um acordo para a implementação da Lei do Depoimento Especial em todo o estado. “Esperamos firmar, em breve, esse acordo de cooperação, estipulando as responsabilidades e compromissos de cada órgão, para criar um fluxo estadual que sirva de parâmetro para os municípios”, explica.

O coordenador regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Educação e dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes do Vale do Rio Doce, Marco Aurélio Romeiro, observa que a existência de uma rede de proteção municipal bem articulada é fundamental para preservar as vítimas e testemunhas de novos danos emocionais que podem ser causados pela repetição da narrativa dos fatos. “Estudos demonstram que, ao repetir a narrativa da violência, a pessoa revive o episódio, passando por uma revitimização. Quando todos os atores estão articulados, é possível definir e preparar um profissional de referência para realizar essa escuta uma única vez e poupar a criança desse sofrimento”, explica.

E foi exatamente essa articulação entre os órgãos de proteção, iniciada no município de Aimorés por Marco Aurélio, que permitiu a implementação de um fluxo de atendimento para a escuta especializada e o depoimento especial. Desde que a iniciativa foi implementada na cidade, sempre que um caso de criança ou adolescente em situação de violência chega a um dos órgãos de proteção, o profissional de referência é acionado pela rede para realizar a escuta, elaborar o relatório do atendimento e demandar os outros órgãos, conforme as necessidades identificadas. “É uma proposta de trabalho bastante simples, mas muito eficiente”, afirma o promotor.

Em relação ao depoimento especial, conforme o site do TJMG, até o momento 32 comarcas realizam o procedimento em conformidade com a lei nº 13.431/2017. Já em relação à escuta especializada, ainda não há dados integralizados. “O que percebemos é que ela avança em um passo mais lento porque demanda articulação da rede de proteção local de cada município”, afirma Marco Aurélio.

Atualmente, segundo o promotor, algumas cidades de maior porte já contam com centros integrados de atendimento onde o procedimento é realizado conforme a lei, mas centenas de municípios mineiros ainda precisam se estruturar para isso.

A Justiça Restaurativa e a prevenção da violência
No campo da prevenção e da resolução de conflitos envolvendo crianças e adolescentes, a Justiça Restaurativa tem se revelado uma grande aliada do ECA em alguns municípios do estado. Em Belo Horizonte, o Programa Justiça Restaurativa nas Escolas de Belo Horizonte (NÓS) – criado por um Acordo de Cooperação Interinstitucional e lançado, oficialmente, em fevereiro de 2018 – é um exemplo disso. Ele tem por objetivo disseminar, na comunidade escolar, a cultura de resolução de conflitos com base no diálogo, no senso comunitário e na corresponsabilidade entre os envolvidos. Para isso, vem formando facilitadores e implantando núcleos de práticas restaurativas nas escolas públicas de Belo Horizonte.

Por meio do acordo, o Centro de Estudos de Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) do MPMG e a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, do TJMG, se comprometeram a oferecer o curso do programa também para trabalhadores do sistema socioeducativo e rede de acolhimento institucional e para agentes da Guarda Municipal da capital mineira.

Levantamentos do Comitê Gestor do NÓS revelam que, em pouco mais de dois anos de existência, o programa já está presente em 251 escolas de Belo Horizonte, de um total de 550, colaborando para a promoção da cultura de paz. Até o final de 2019, 1.515 pessoas já haviam sido capacitadas por ele.

O NÓS foi desenvolvido pela Comissão de Justiça e Práticas Restaurativas do Fórum Socioeducativo de Belo Horizonte, que, desde a sua criação, tem à frente integrantes do MPMG, entre eles, o servidor da 23ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte - Área infracional William Nascentes, o promotor Márcio Rogério de Oliveira e a promotora de Justiça Danielle Arlé, atual coordenadora da comissão.

Na avaliação de Danielle Arlé, o programa se destaca por permitir o exercício do modelo de proteção integral da criança e do adolescente estabelecido pelo ECA. “Por meio dele, saímos do paradigma da punição, que deixou de ter base legal desde a Constituição Federal de 1988, e passamos a olhar as crianças e os adolescentes com a lente da proteção integral”.

O coordenador do Comitê Gestor do programa, promotor de Justiça Márcio Rogério de Oliveira, observa que, ao fomentar a cultura de paz nas escolas, pela capacitação para a resolução de conflitos, o programa contribui também para reduzir o encaminhamento de casos ao Judiciário. “Esperamos que, em médio e longo prazo, ele gere uma redução significativa nos conflitos escolares e nos atos infracionais”, considera o promotor.
Entre os órgãos e entes públicos envolvidos no programa, estão, ainda, o município de Belo Horizonte, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais e a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

O programa Descubra e a oportunidade de aprendizagem
Em seu artigo 53, o ECA assegurou à criança e ao adolescente, ao lado do direito à educação, o direito à qualificação para o trabalho. A aprendizagem foi regulamentada pela Lei nº 10.097, de 2000. No entanto, apesar da previsão legal, a realidade é que um grande número de adolescentes e jovens, especialmente os que se encontram em condição de vulnerabilidade – em cumprimento ou egressos de medidas socioeducativas, em situação de acolhimento institucional ou resgatados de situação de trabalho infantil – não encontram oportunidade para aprender e para trabalhar.

Diante deste cenário e com o objetivo de promover o acesso desse grupo a programas de aprendizagem e cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) ou de qualificação profissional em todo o estado, o MPMG participou da elaboração do Programa de Incentivo à Aprendizagem de Minas Gerais (Descubra!). Instituído por meio de um acordo de cooperação técnica e formalizado em agosto do ano passado, o programa já possibilitou, em um período de apenas quatro meses de funcionamento, a inclusão de 411 adolescentes em contratos de aprendizagem ou cursos de qualificação profissional.

Atuando em conjunto com diversos órgãos públicos e entidades da sociedade civil, o MPMG sediou e coordenou a criação do Comitê de Incentivo à Aprendizagem de Minas Gerais, que desenvolveu a proposta. Entre os signatários do acordo de cooperação, estão, também, o Governo Federal, por meio da Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais, o Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, o Município de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, o Tribunal Regional do Trabalho, o TJMG, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Desde o lançamento do programa, entidades, empresas e projetos parceiros vêm aderindo com a geração de vagas.

De acordo com o promotor de Justiça Márcio Rogério, que coordena também o Comitê Gestor Interinstitucional do programa, a aprendizagem profissional é um eixo das medidas socioeducativas que os programas de proteção às crianças e adolescentes têm muita dificuldade para implantar. “Este é um público que apresenta defasagem escolar e enfrenta muitas barreiras para assegurar o direito à profissionalização. Por isso, essa é uma iniciativa de grande importância”.

O promotor de Justiça observa, ainda, que o Descubra gera benefícios tanto para os adolescentes, quanto para as empresas. “Ele permite que o adolescente ou o jovem desenvolva aptidão profissional sem prejuízo à sua formação escolar básica, além de contribuir de forma decisiva para coibir o trabalho infantil e a precarização do trabalho do adolescente. Já para as empresas, as vantagens consistem na possibilidade de formação de um profissional com perfil mais condizente com as necessidades do processo produtivo e que se amolde à cultura organizacional da empresa, já que a aprendizagem normalmente corresponde à primeira experiência profissional estruturada do jovem no mercado de trabalho”.

Além da preparação prévia dos candidatos antes de serem encaminhados para uma vaga, o programa prevê acompanhamento técnico obrigatório e de qualidade ao longo da duração do contrato de aprendizagem ou curso profissionalizante, inclusive após o encerramento da medida socioeducativa ou acolhimento institucional, por meio das equipes técnicas das redes de atendimento socioeducativo e socioassistencial. “Tudo isso com o intuito de assegurar uma orientação adequada – psicológica, social, etc. - não somente aos adolescentes e jovens, mas também ao pessoal das próprias empresas e entidades formadoras, com quem eles irão interagir e conviver no exercício das atividades profissionalizantes”, observa o promotor.

Empresas, municípios, órgãos públicos, sindicatos profissionais e empresariais, entidades formadoras e organizações da sociedade civil podem se integrar ao Programa Descubra, destinando algumas vagas em seus programas de aprendizagem e cursos de qualificação profissional. Órgãos públicos e organizações da sociedade civil podem participar também como entidades concedentes da experiência prática do aprendiz.

Para aderir ao Acordo de Cooperação Técnica, os interessados devem formalizar perante o Comitê Gestor Interinstitucional o termo de adesão específico, delimitando a forma como pretendem contribuir para o alcance dos objetivos do programa e se comprometendo a cumprir os objetivos e regras pactuadas.

 

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13/07/2020

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