Notícias - Criança e AdolescenteRevelação espontânea: a urgência de conversar sobre o tema
Escolas, entre outras instituições, devem estar preparadas para realizar adequadamente a escuta de casos de violência revelados por crianças e adolescentes
Durante o seminário Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Ambiente Virtual, realizado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), um dos temas discutidos foi a revelação espontânea. De acordo com a Lei 13.431/17, que estabelece o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, todos os órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e Justiça têm o dever de acolher e encaminhar de forma adequada uma revelação espontaneamente feita por criança ou adolescente.
“Entretanto, a revelação espontânea ainda é pouco discutida na sociedade. Além disso, muitos órgãos e instituições não estão preparados para lidar com o relato feito por uma criança ou adolescente sobre uma situação de violência que foi vivenciada ou presenciada por eles”, afirmou a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (CAO-DCA), Graciele de Rezende.
Segundo ela, quando uma criança ou adolescente decide contar a alguém sobre uma violência sofrida, essa escolha demonstra a existência de uma relação ou expectativa de confiança. Isso quer dizer que, pelas razões mais diversas e imprevisíveis, houve a preferência por determinado adulto, que, nesse momento, deve estar preparado para ouvir, acolher e adotar as providências necessárias para a proteção daquela criança ou adolescente, bem como para fazer os encaminhamentos aos órgãos competentes.
Esse relato não tem hora nem lugar para acontecer. “Essa espontaneidade é quando naturalmente surge aquela vontade de dizer algo que é extremamente velado, porque o agressor trabalha, na maioria dos casos, com várias formas de exercer o silêncio junto à vítima”, afirmou a coordenadora do Centro Estadual de Apoio às Vítimas (Casa Lilian), promotora de Justiça Ana Tereza Ribeiro Salles Giacomini, durante o seminário.
“Quando a criança ou adolescente decide ter a coragem de fazer a revelação, precisamos estar capacitados para escutar, acolher e saber o que fazer com a informação”, afirmou. Nesse momento, segundo ela, o mais adequado é escutar sem revitimizar, sem julgar, sem fazer questionamentos desnecessários. Para a coordenadora da Casa Lilian, a vitimização secundária, praticada por órgãos da rede de proteção, e a vitimização terciária, que é o julgamento social, “podem ser sentidas com maior ou igual intensidade” à vitimização primária, que diz respeito ao crime em si, levando à subnotificação dos casos e desestimulando a revelação espontânea.
O acolhimento inadequado de uma revelação espontânea, além de agravar o sofrimento da vítima, pode configurar, conforme a Lei 13.869/19, violência institucional, entendida como a submissão da vítima ou testemunha a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a levam a reviver o trauma.
“É preciso que todos os integrantes de órgãos públicos, bem como de serviços de interesse público, como as escolas particulares, estejam preparados para agirem quando a criança ou adolescente decide revelar a um adulto uma violência, que pode ser física, psicológica ou sexual”, afirmou a coordenadora do CAO-DCA, promotora de Justiça Graciele de Rezende.
Seminário
Durante o seminário Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Ambiente Virtual, realizado no dia 14 de maio, foi discutido, entre outros temas, a revelação espontânea. Durante o evento, a coordenadora do CAO-DCA, Graciele de Rezende Almeida, relembrou o caso do estupro e assassinato brutal da menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, ocorrido no Espírito Santo, em 1973. O julgamento não resultou em punição, mas a data do crime, 18 de maio, ficou marcada como Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Para dar visibilidade ao tema, no mês de maio, são realizados eventos em todo o Brasil sobre violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Durante essas ações, conhecidas como Maio Laranja, vários relatos de violência vêm à tona, especialmente nas escolas. “É comum que a criança, então, procure aquele profissional com quem tenha vínculo, e que acha que vai poder ajudá-la, para revelar uma situação de violência. Nesse momento, todos da escola precisam estar preparados para saber o que fazer com essa revelação espontânea”, afirmou a promotora de Justiça Graciele de Rezende.
O profissional ou a pessoa de confiança escolhida para ouvir a revelação deve, conforme sugerem os protocolos, acolher a criança ou o adolescente, e escutá-lo sem interrupções, evitando perguntas que possam interferir no relato. E quando necessário, as vítimas devem ser direcionadas para a escuta especializada ou depoimento especial.
A revelação espontânea, a escuta especializada e o depoimento especial, previstos na Lei 13.431/2017, possuem funções distintas. A revelação espontânea ocorre de forma natural, por iniciativa da criança ou do adolescente, sem que seja solicitada. A escuta especializada é um procedimento técnico realizado por profissional capacitado para acolher, ouvir e providenciar as medidas necessárias à proteção da vítima. Já o depoimento especial, realizado preferencialmente em juízo, tem a finalidade de produção de provas para a instrução de processo judicial.
Abordagem do tema
Durante o seminário, ocorreu a roda de conversa O papel da escola no acolhimento de uma revelação espontânea. Participante das discussões, a secretária Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes, Pilar Lacerda, disse que as intuições de ensino têm papel fundamental nesse tema, por ser um ambiente privilegiado para essa escuta, mas, para fazer de forma correta, precisam estar preparadas para ouvir esses relatos.
“Todos os profissionais têm de ser capacitados para o acolhimento de uma revelação espontânea. A escola tem de ser um espaço seguro, sensível, acessível e amigável para crianças e adolescentes”, disse. Para ela, essa escuta deve proteger a fala e a integridade emocional da criança e do adolescente. “Quem escuta protege, não julga, não interroga, não expõe”, disse.
Já a promotora de Justiça Giselle Ribeiro de Oliveira, do CAO-Educ, apresentou dados sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. “São números estarrecedores”, disse. Segundo ela, no Brasil, sete crianças ou adolescentes são vítimas desse tipo de crime por hora. “Isso é o que sabemos, porque se estima que nem 10% dos casos de abuso são notificados às autoridades”, disse. Para ela, a escola tem papel estratégico nesse combate à violência sexual tanto para encontrar sinais e acolher essas crianças e adolescentes quanto para repassar as informações e fazer a articulação com os órgãos de proteção.
A coordenadora do CAO-DCA, Graciele de Rezende Almeida, também foi enfática ao mencionar a importância das instituições de ensino nos casos de revelação espontânea, por integrarem a rede de proteção e por estarem numa posição estratégica. Para ela, a escola precisa ocupar seu espaço de protagonismo na rede de proteção da criança e do adolescente. Mas, para isso, é preciso traçar protocolos e capacitar todos os profissionais para saberem lidar quando a situação surgir.
Ministério Público de Minas Gerais
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