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Ainda que seja um garantidor da liberdade, o instituto do habeas corpus (HC), instrumento jurídico dos mais acessíveis à população, oscila entre a proteção justa dos direitos dos cidadãos e a contestação banalizada de decisões do sistema judicial. A constatação vem do procurador de Justiça Luiz Antônio Sasdelli Prudente, que coordena a Procuradoria de Justiça de Habeas Corpus do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Presente na Justiça brasileira desde os tempos do império, a ideia por trás do instituto é de um remédio constitucional, ou seja, um instrumento processual desenhado para atuar em casos de ilegalidades ou abuso de poder. "Ele tem por objetivo precípuo garantir que não existam prisões ilegais, abusivas, arbitrárias", explica Sasdelli Prudente. Na prática, o HC pode ser acionado sempre que um indivíduo sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação quanto à sua liberdade de locomoção. Há vários exemplos que ilustram tal situação, como um indivíduo que hipoteticamente está preso preventivamente sem os requisitos legais (como risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei) ou além do prazo legal determinado para conclusão do inquérito policial. Outra hipótese possível é quando um cidadão é detido por dívida de pensão alimentar, mas comprova que o pagamento foi de fato efetuado.

Apesar do senso comum geralmente apontar o contrário, o habeas corpus não necessariamente está restrito a casos de prisão. O instituto pode ser útil, por exemplo, se uma pessoa foi internada compulsoriamente por ordem judicial (por questões de doença mental ou uso de drogas, por exemplo), mas a equipe médica lhe concede alta, e o hospital ou a instituição se recusa a liberá-la. Neste caso, a clínica estaria mantendo coação ilegal da liberdade, tornando a situação passível de pedido de habeas corpus.

Seja qual for o motivo do pedido, um habeas corpus pode revisar uma decisão de cerceamento da liberdade. Cabe a uma instância judicial superior avaliar a legalidade da prisão determinada por uma instância inferior. Com isso, prisões ilegais, abusivas e arbitrárias perdem o efeito. 

Conceito revisado

Embora seja antigo, o conceito de habeas corpus previsto na Constituição de 1988 foi ampliado em relação aos textos anteriores, no contexto da redemocratização, após o regime militar. A intenção primária dos constituintes foi combater o arbítrio estatal, em contraponto às práticas do regime militar. A carta magna garantiu ao instituto o status de cláusula pétrea, ou seja, não pode ser abolido ou reduzido, exceto se houver nova Constituição. Além disso, o texto promoveu o fim das restrições que limitavam uso do mecanismo, como as vedações para crimes políticos. 

O texto constitucional da redemocratização também consolidou o habeas corpus como um dos instrumentos de maior acessibilidade no sistema jurídico brasileiro, uma vez que qualquer pessoa pode ingressar com o pedido. Sasdelli Prudente destaca que o pedido pode ser impetrado inclusive pelo próprio preso. Isso é comum, segundo o procurador, em execuções de pena, com presos escrevendo "cartinhas" que chegam ao tribunal. A simplicidade e a dispensa de formalidades complexas ou da necessidade de um advogado são características que refletem a natureza humanitária do HC, priorizando a proteção do indivíduo sobre a forma processual. O próprio Ministério Público pode pedir, agindo como guardião da ordem jurídica. A análise do caso pela procuradoria de Justiça e pelo tribunal superior tem foco somente na legalidade da prisão. "Não se discute prova em habeas corpus. Não se discute se o sujeito cometeu ou se não cometeu o crime", comenta Sasdelli Prudente. O que está em jogo é se a prisão é legal ou ilegal.

Riscos 

Há dois tipos principais de habeas corpus. O repressivo é o mais comum, ajuizado quando a prisão ilegal já se concretizou. Ha também o preventivo, impetrado para evitar que a coação ilegal da liberdade venha a ocorrer. O trâmite dos pedidos exige rapidez, uma vez que se trata do direito fundamental da liberdade. O prazo para a manifestação do Ministério Público é de 48 horas. Embora sejam conquistas relevantes da cidadania brasileira, a celeridade e a facilidade de acesso traz um risco: a banalização do instituto. De acordo com procurador de Justiça, o instrumento vem sendo "utilizado como sucedâneo de outros recursos", ou seja, tratado por advogados como um recurso a mais no trâmite de um processo, seja para ganhar tempo, seja para dissimular uma pretensa boa vontade na causa um cliente. Há também os casos de habeas corpus para "coisas absurdas," como recuperar bens apreendidos, que em nada se relaciona ao direito de ir e vir de um cidadão.

A decorrência direta desse uso indevido é o acúmulo de trabalho no sistema de Justiça. Até outubro de 2025, houve 25.130 pedidos de habeas corpus distribuídos para membros da Procuradoria de Justiça. O volume supera os 24.599 dos 12 meses de 2024. O volume exige esforços concentrados e mutirões para processar os pedidos. Na visão do procurador de Justiça, o risco da cultura de impetração desenfreada de habeas corpus para "absolutamente tudo" ameaça inviabilizar o instrumento jurídico.

Confira abaixo a íntegra da entrevista do procurador de Justiça Luiz Antonio Sasdelli Prudente sobre o tema para o programa TV MP Entrevista desta quinta-feira, dia 11 de dezembro.

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Ministério Público de Minas Gerais

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