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As mulheres são a principal força de trabalho da saúde no país, representando 65% dos mais de seis milhões de profissionais ocupados no setor público e privado, tanto nas atividades diretas de assistência em hospitais, quanto na Atenção Básica. A informação é do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde e não causa surpresa, já que basta uma visita a hospital ou unidade de saúde para se verificar a grande presença feminina nesses locais.

De igual modo, no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a atuação das mulheres na defesa  da saúde tem lugar de destaque. São centenas as integrantes da instituição – entre promotoras de Justiça, procuradoras, servidoras, estagiárias e terceirizadas – que trabalham, em todo o estado, de forma resolutiva e abnegada, em defesa da vida.

Já habituadas, na lide diária, ao enfrentamento de inúmeras dificuldades para garantir à população acesso aos serviços de assistência médica, laboratorial e hospitalar, além do fornecimento de medicamentos indispensáveis a tratamentos especializados, entre outros direitos, no último ano, elas se depararam com um novo e gigante desafio: a pandemia de Covid-19. Além de constranger o país a repensar a importância do seu sistema de saúde, a propagação do novo coronavírus recordou a população mundial sobre a relevância de, pelo menos, dois aspectos civilizatórios fundamentais: a solidariedade e a empatia.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a atuação diligente e, via de regra, apaixonada das integrantes do MPMG que trabalham na área da saúde ganha visibilidade. Essa atuação – essencial  ao cumprimento dos direitos fundamentais da população – é exposta, nesta reportagem, a partir da experiência de quatro mulheres: Marineide Chaves Andrade, servidora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde); Cláudia Freddo Marques Carvalho, promotora de Justiça e coordenadora regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Triângulo do Sul; Josely Ramos Pontes, promotora de Justiça de Defesa da Saúde de Belo Horizonte; e Cleuba de Oliveira Barcelos Gonçalves, servidora da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Oeste (CRDS Oeste).

“Às vezes, com um só telefonema podemos resolver um problema grave”


Há 11 anos atuando no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), a servidora Marineide Chaves Andrade já auxiliou na resolução de problemas dos mais variados tipos no MPMG. Embora o CAO seja um órgão de apoio às Promotorias, e não de execução, é comum chegarem até ele demandas urgentes, que exigem uma percepção apurada e uma ação imediada por parte da equipe de trabalho. “A área da saúde revela muito mais do que problemas individuais. Ela evidencia uma realidade ampla e complexa que precisamos conhecer. Quando estamos familiarizados com essa estrutura, às vezes, com um só telefonema podemos resolver um problema grave”, observa a servidora.



Marineide conta que sempre gostou de trabalhar em áreas sensíveis e que considera a da saúde a mais delicada delas, em razão do grande sofrimento suportado pela maior parte da população, geralmente, em decorrência da falta de organização ou do descaso de gestores públicos. “É uma área que nos prende muito, que mexe muito com a nossa sensibilidade. Ainda mais para nós mulheres, que aprendemos desde cedo a cuidar do outro. Quando vemos alguém com um problema grave, essa sensibilidade aflora e nos sentimos na obrigação de ajudar, como pessoa e profissional”.

A servidora considera muito gratificante a oportunidade de trabalhar para diminuir o sofrimento da população, por meio da concretização de direitos. “O pouco que a gente acha que faz pode ser muito para o cidadão. Percebemos isso quando alguém nos agradece por termos enviado um ofício que o fez conseguir um remédio ou uma cirurgia”.

Nome conhecido por praticamente todos os promotores de Justiça e servidores do MPMG que atuam na área da saúde em todo o estado, Marineide avalia que a pandemia de Covid-1intensificou a busca de conhecimento sobre a matéria – considerada complexa e regulada por muitas resoluções e portarias. “Percebo que houve, entre promotores e servidores, a ampliação do conhecimento sobre a saúde, não só no campo teórico, mas também no prático”.

Entre as inúmeras experiências marcantes que teve como servidora do CAO-Saúde, Marineide destaca uma visita feita em 2012 ao Hospital Municipal de Ipatinga, no Vale do Aço, ocasião em que ficou profundamente abalada ao ver tantos pacientes no chão por falta de leito. “Parecia guerra. Não conseguimos sair da cidade enquanto o problema não foi resolvido. Os dois promotores que atuavam no caso ligaram para o secretário de Saúde e conseguiram transferir os pacientes”.

Para a servidora, o contato visual com o problema é capaz de sensibilizar de maneira diferenciada os profissionais que atuam na saúde. “Ler em um papel que 100 pessoas estão sendo atendidas no chão é diferente de ver a cena, de estar naquele quadro. Isso nos impulsiona de uma forma inexplicável a tentar solucionar o problema”.

“A saúde não é só a ausência de doença, mas qualidade de vida”


A promotora de Justiça Cláudia Freddo Marques Carvalho atua há 11 anos na área da saúde, no município de Uberaba, no Triângulo Mineiro. E desde 2012, está à frente da Coordenadoria Regional das Promotorias de Defesa da Saúde do Triângulo Sul. Ela conta que sempre se incomodou com a busca constante – e muitas vezes infrutífera – dos cidadãos por atendimento médico-hospitalar e que a saúde pública se tornou uma grande paixão em sua vida. “No MP, percebemos que a instituição é, em muitos casos, a tábua de salvação dessas pessoas, que rodam por tanto tempo, de órgão em órgão, até ter seu direito garantido. Eu sempre procurei pautar a minha atuação no sentido de acabar com essa romaria, de resolver as questões”.



A realização de reuniões com gestores a fim de convencê-los sobre a importância das políticas públicas é uma das atividades de rotina da promotora, para quem as medidas de alcance coletivo merecem especial atenção. “Não podemos ficar numa atuação pontual. A atuação no direito coletivo, difuso, é muito mais efetiva”, observa.

Cláudia, que diz ter a personalidade forte e ser bastante assertiva, conta que essas características lhe renderam a fama de brava no meio profissional. “Penso que se fosse um homem agindo da mesma forma, esse comportamento seria considerado normal. Mas quando é uma mulher que se impõe, ela passa a ser vista dessa maneira”.

Na visão da promotora, talvez as mulheres sejam mais sensíveis para o tema da saúde, por conta da formação cultural que recebem. “Não acho que seja uma escolha consciente e livre da mulher, mas as habilidades e interesses acabam sendo desenvolvidos nesse sentido, do cuidado e da atenção ao outro”.

A promotora também comentou sobre efeitos da pandemia de Covid-19 no país, especialmente sobre a evidenciação da importância do Sistema Único de Saúde (SUS). “Acho que houve uma ampliação do entendimento da população sobre a importância do SUS para todas as pessoas, de forma direta ou indireta. Apesar de toda a tristeza e prejuízo econômico e social deste período, teremos um ganho nesse sentido”.

Ainda segundo Cláudia, a pandemia também lançou luzes sobre a abrangência do conceito de saúde, na medida em que trouxe à tona questões geralmente subestimadas, como a da saúde mental. “Essa questão ficou muito em evidência, demonstrando que saúde não é só a ausência de doença, mas qualidade de vida. Uma das coisas que a pandemia mostrou foi a importância de se ter uma vida equilibrada, de realizar atividades que trazem prazer, de não se submeter a muito estresse e de se valorizar a atenção primária à saúde”.

“Além de promover e salvar vidas, o SUS é um catalisador da cidadania”

Promotora de Justiça de Defesa da Saúde de Belo Horizonte há mais de 18 anos, Josely Ramos Pontes é outra integrante do MPMG com ampla bagagem de vivências e aprendizados na área da saúde a ser compartilhada.

Habituada a tratar demandas dos mais variados tipos, ela destaca que a complexidade da área obriga promotores e servidores a expandir a compreensão dos fenômenos para além do Direito, a fim de que tenham uma atuação mais adequada. “Na saúde pública, há muitas peculiaridades. Os conselhos de saúde, por exemplo, são formados pela população com 50% das vagas. Esse formato de democracia participativa direta concebe muitos fenômenos políticos interessantes, que nos levam a repensar a visão de mundo que a formação jurídica nos traz. Temos, nitidamente, a construção de um sistema a partir de uma visão coletiva de mundo e não estamos acostumados a pensar dessa forma", avalia.



De acordo com a promotora, representantes dos segmentos sociais mais vulneráveis – que ficam, muitas vezes, invisibilizados e lutam obstinadamente pelo direito à saúde – têm muito a ensinar sobre o pensamento coletivo. “Aprendi a ouvir com essas pessoas. Atuar em uma Promotoria de Saúde, como em outras Promotorias, deve significar a oportunidade de um aprendizado civilizatório e político. É muito revelador sobre as escolhas que a sociedade faz. Revela, de maneira surpreendente, o quanto a violência urbana, a violência no campo, a violência doméstica matam, as doenças relacionadas aos perfis sociais, entre outros aspectos”.

Josely salienta, ainda, que o SUS é um “mega sistema, extremamente complexo, desafiador e sofisticado”, que tem como ideias basilares a solidariedade e a equidade, sobre as quais a pandemia de Covid-19 vem obrigando a sociedade a pensar. “Um cidadão em situação de urgência ou emergência será assistido, independentemente da sua procedência, residência ou status. Não importa quem seja e o que fez chegar ali. Se estiver mais grave do que os demais, será atendido primeiro. O critério é a vida, como valor universal. O SUS tem esse traço de equidade que garante um grande aprendizado. Além de promover, salvar vidas, evitar agravos, recuperar pessoas, ele é um catalisador da cidadania”, considera.

Da mesma forma que Cláudia, Josely também diz ser vista como uma promotora “super brava” em razão da sua postura firme e assertiva e revela já ter experimentado muitas dificuldades pelo fato de ser mulher, sobretudo nos espaços de poder. “Nesses espaços, a mulher, somente pela sua presença, desafia as relações. Isso se potencializa se ela assume a defesa da pluralidade e da transformação social como valor”.

A promotora observa que, embora a força de trabalho predominante na saúde seja a feminina, essa correlação não se estende às posições de maior poder e comando, responsáveis pelos planejamentos e por ditar estratégias de trabalho. No topo dessa pirâmide, segundo a promotora, ainda estão, de forma predominante, os homens, e a participação das mulheres nesses espaços não é bem aceita, em razão da estrutura patriarcal da sociedade. “Em muitas mesas de conferências de saúde, eu era a única mulher e isso incomodava os participantes. Tive vários confrontos seríssimos, mas sempre enfrentei essas situações com naturalidade, sabendo que é um fenômeno que acontece e que só diminuirá quando assumirmos lugares de poder e mudarmos isso. Procuro não deixar que minhas atitudes, meus posicionamentos e minha atuação sejam rotulados pelo machismo”.

“A pandemia está nos obrigando a repensar nossos valores”

O amor pela área da saúde é compartilhado também pela servidora Cleuba de Oliveira Barcelos Gonçalves, que atua, desde 2013, na Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Oeste (CRDS Oeste), em Divinópolis.



Ela conta que o interesse pela área foi despertado antes mesmo de ingressar no MPMG, quando, ainda em 2003, seu filho nasceu prematuro, o que a fez experimentar de forma intensa a relação com um hospital. Dois anos depois, já empossada no MPMG, passou a trabalhar com a matéria, na 7ª Promotoria de Justiça de Divinópolis, e se apaixonou. “Sinto uma afinidade grande com o tema. Fiz duas pós-graduações na área depois que entrei no MP e estou sempre estudando. Quando a gente conhece o SUS, se apaixona. As pessoas, em geral, não têm ideia do que ele nos oferece e nos proporciona e de como poderia ser ainda melhor, se recebesse a valorização devida”.

A servidora ressalta que o MP exerce um papel fundamental para o fortalecimento do sistema e para a defesa da vida e aponta a empatia como característica essencial aos profissionais que atuam na área. “A capacidade de se colocar no lugar do outro é muito importante, porque isso dá um gás, aumenta a vontade de resolver as questões. Além disso, como é uma área muito dinâmica, em que as informações se atualizam a todo momento, é necessário o estudo constante”.

Na visão de Cleuba, a ligação de boa parte das mulheres com os temas da saúde tem relação, em grande medida, com a maternidade e com os papeis sociais tradicionalmente cumpridos por homens e mulheres. “A maioria das mulheres se torna mãe, e, geralmente, são elas que levam os filhos ao médico, acompanham em caso de internações, têm esse contato maior com a saúde. Percebo que a questão da sensibilidade e da intuição femininas também conta bastante”.

Para a servidora, o atual momento vivido pelo planeta tem estimulado mudanças no campo da saúde, na medida em que vem forçando a população a ressignificar seu modo de viver. “A pandemia está nos obrigando a repensar nossos valores, como o cuidado com o outro, a solidariedade. Somos lembrados a todo momento, por um vírus, da nossa vulnerabilidade. Estamos recebendo uma sacudida e isso será positivo para a saúde”.

 

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08/03/2021

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