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Francisco Angelo Silva Assis, promotor de Justiça, coordenador do CAO-DH

20 de novembro de 1695 é a data em que Zumbi dos Palmares, um dos principais líderes do quilombo dos Palmares, foi assassinado pela coroa portuguesa. O quilombo dos Palmares, onde escravizados fugidos ergueram um espaço de resistência ao poder colonial, tornou-se um dos maiores símbolos da luta antirracista no Brasil. O Dia da Consciência Negra se renova todos os anos para nos lembrar que carregamos uma bagagem de brutalidade, ancestralidade, cultura e resistência negra, história que não deve ser esquecida nem ocultada.

Quando se fala em racismo, é comum que se foque na responsabilidade individual ou coletiva de pessoas e instituições que tenham cometido atos racistas. É fundamental, porém, que à demanda por responsabilização se some a compreensão do racismo enquanto um fenômeno estrutural, o que, como ensina o advogado Sílvio Almeida, é dizer que ele decorre “do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social nem um desarranjo institucional”. 

Na formação social do Brasil, a partir da colonização, a raça é constituída enquanto categoria que tem como função legitimar a dominação de colonizados por colonizadores, com base em uma forjada hierarquia racial que estabelece a superioridade do povo branco europeu em relação aos povos indígenas e africanos - sequestrados de suas terras para serem escravizados.

E assim se desenvolveu e se perpetua o racismo estrutural, que se materializa, dentre outras formas, em piores condições de vida para a população negra, menores salários, desemprego, discriminação no mercado de trabalho, subrepresentação nos cargos de liderança e espaços de poder, maior vitimização por crimes violentos e intervenções policiais, criminalização e maior presença nos espaços carcerários, perseguição religiosa e apagamento da história e cultura do povo negro na educação.

Esta realidade se agravou ainda mais durante a pandemia de Covid-19, contexto em que a população negra enfrenta o aumento do empobrecimento, fome, maior exposição ao vírus e menor acesso à saúde.  

O Ministério Público de Minas Gerais, através de sua Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação (CCRAD), articulando-se com movimentos sociais, gestores públicos e universidades, tem buscado se consolidar como um espaço institucional de enfrentamento ao racismo. Não faltam motivos para nos indignar e ainda há um longo caminho em termos de compensação histórica e equidade racial, mas também é tempo de celebrar a história, a arte, a tecnologia e demais inestimáveis contribuições dos povos africanos para a construção do Brasil.

Honramos as lições de inteligência, bravura e luta pela liberdade de Zumbi, Dandara, Luís Gama, Lima Barreto, a música luminosa de Milton Nascimento, Dona Ivone Lara, Gilberto Gil, Elza Soares, Pixinguinha, Emicida, Jackson do Pandeiro, o brilhantismo de Carolina de Jesus, Machado de Assis, Conceição Evaristo, Abdias Nascimento, Sueli Carneiro, André Rebouças, Tereza de Benguela, Antonieta de Barros, Beatriz Nascimento e tantas outras personalidades negras que marcam nossa história. Sem a história do povo negro não há história do Brasil, e sem sua cultura, não há cultura brasileira. 

Nesse Dia da Consciência Negra, destacamos a importância da resistência, e, com inspiração em Lélia Gonzalez, exaltamos o orgulho do povo negro brasileiro, a necessidade de descolonizar nossa visão de mundo e iluminar a memória de nossa “amefricanidade”. Carregamos juntos esta bagagem histórica, instrumento essencial para compreender e intervir no presente, na intenção de construir um futuro livre de racismo.

Artigo escrito em coautoria com Elisa Borges Matos, estagiária de pós-graduação em Direito, e originalmente publicado no jornal O Tempo em 20 de novembro de 2021
 

 

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