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CAO ÀS PJ DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS, CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL E APOIO COMUNITÁRIO - CAODH

 

 

Ofício nº 73/2022

 

 

Belo Horizonte - MG, 24 de março de 2022

Excelentíssimo Senhor

Rodrigo Sousa Rodrigues

Coronel PM Comandante-Geral

Polícia Militar do Estado de Minas Gerais

email cg@pmmg.mg.gov.br

 

 

 

Assunto: Processo SEI nº 19.16.0872.0034031/2022-47

               Notícia de Fato MPMG-0024.22.004234-5

 

 

Senhor Comandante Geral,

 

Com nossos cordiais cumprimentos, informamos à Vossa Excelência que aportou nesta Procuradoria Geral de Justiça, na data de 17 de março do ano corrente, representação firmada pela Deputada Estadual Andreia de Jesus, em que comunica a retirada da escolta fornecida por essa Corporação, sob o argumento de que não mais subsistiriam indicadores de risco à sua integridade física. 

Ainda, segundo a referida representação, o início da escolta se deu em virtude de ameaças sofridas após o episódio ocorrido na cidade de Varginha (REDS nº 2021-053130608-001) e que, recentemente, na data de 07 de março de 2022, a ilustre Deputada teria sido novamente ameaçada, sendo lavrado REDS de nº 2022-010036526-001. 

Cumpre salientar que a parlamentar Andreia de Jesus, mulher negra, ocupa a Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais – ALMG, o que impõe ao Estado assegurar a eficácia das garantias constitucionais que objetivam sua liberdade de atuação, sem intimidações, porque seu lugar de fala representa os interesses da população que a elegeu.  

Segundo a relatora especial da Onu, Dra. Mary Lawlor, entre 2015 e 2019, o Brasil foi o segundo país do mundo em assassinatos a lideranças atuantes na defesa de direitos humanos, com a ressalva de se admitir que existe profundo problema de subnotificação, de modo que os índices podem ser maiores. 

No referido relatório a representante da ONU destacou que esses crimes ocorrem como produto dos atuais sistemas patriarcais e heternormativos. Portanto, ao Estado é atribuída a responsabilidade por proteger esses defensores, sob pena de "a não adoção de tais medidas para cumprir as obrigações dever ser considerada pelos organismos internacionais ao determinar as consequências legais do não cumprimento".¹ 

Ademais, tendo em vista a proteção requerida e as circunstâncias do caso concreto, importante colacionar aqui alguns marcos e instrumentos internacionais sobre o tema. 

Assim sendo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos prevê, em seu artigo 25, que todo cidadão terá o direito e a possibilidade de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores. Estabelece, em seu artigo 2.1, que os Estados Partes do presente pacto se comprometem a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição. 

No mesmo sentido, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1965), ratificada pelo Brasil em 1968, estabelece, em seu artigo II.2, que os Estados Partes tomarão, se as circunstâncias o exigirem, as medidas especiais e concretas para assegurar a proteção de certos grupos raciais ou de indivíduos pertencentes a estes grupos com o objetivo de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos e das liberdades fundamentais. 

Ainda, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), ratificada pelo país em 1984, prevê que os Estados devem adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher. 

Da mesma forma, estabeleceu-se como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (nº 05) dentro da Agenda 2030 da ONU o alcance da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, sendo objetivos específicos: 5.2 Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos. (...) e 5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública. 

Por fim, e de forma mais específica, o Consenso de Quito (2007), assinado durante a Décima Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, definiu o compromisso do Brasil em adotar medidas legislativas e reformas institucionais para prevenir, punir e erradicar o assédio político e administrativo contra as mulheres que acessam os cargos de poder e decisão por eleição ou nomeação, no âmbito nacional e local, além de movimentos e partidos políticos. 

Diante dos fatos, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais procedeu consulta sobre a tramitação dos procedimentos na Polícia Judiciária, originados dos REDS supra mencionados e constatou que aquele procedimento investigativo instaurado sobre os fatos ocorridos na Comarca de Varginha (PCnet nº 11227154) se encontra em fase de oitiva de testemunhas, sendo estas provas imprescindíveis para a conclusão das investigações. Já o segundo Procedimento Investigativo (PCnet 011501200), também aguarda a oitiva de testemunhas para remessa ao MP e Judiciário (TCO), estando, portanto, em instrução probatória. 

Acrescente-se estarem também em andamento 27 (vinte e sete) expedientes investigativos, versando sobre crimes de ameaças, injúria racial/racismo, crimes contra a honra e outros, que tem como vítima a referida parlamentar, que tramitam perante a PCMG e são acompanhados por meio de PAAF (Procedimento de Apoio à Atividade Fim) pela Coordenadoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos - COECIBER, do MPMG.²  

Outrossim, a hipótese de as ameaças estarem sendo produzidas por perfis falsos não afasta a necessidade da escolta, antes constitui mais um fundamento técnico para sua manutenção e imprescindibilidade, porque todas as investigações em andamento, tanto as referentes aos crimes ocorridos em 2021 quanto aos novos fatos, têm por objetivo a identificação da autoria, o que na sua grande maioria já ocorreu e poderá ser melhor tratada pela PMMG junto ao COECIBER, do MPMG, para fins de fundamentar a escolta. Portanto, estão em fase de apuração, de modo que os responsáveis foram e estão sendo identificados, mediante trabalho investigativo regressivo, dos crimes cometidos por meio digital, o que demandou remontar a dados cadastrais de redes sociais, confrontos com registros de e-mails e IPS dos equipamentos dos possíveis autores. 

Igualmente, tais identificações provavelmente levarão a persecuções penais, o que acarretará riscos inerentes, inclusive, advindos de terceiros. 

Adite-se que, considerando os aspectos técnicos da investigação dos cibercrimes, os vestígios em sua maioria são registros digitais que podem ser facilmente apagados ou alterados. Além disso, o endereço de IP (número de identificação que todo dispositivo conectado à internet) pode ser fixo (pertence a uma pessoa determinada, por um certo período de tempo) ou dinâmico (muda aleatoriamente sempre que o usuário inicializa a sua máquina), dificultando ainda mais a descoberta da autoria dos cibercrimes, o que via de regra não é um processo célere, não sendo razoável que a vítima esteja exposta à própria sorte até a conclusão das investigações. 

Além do mais, o Procurador Geral de Justiça recebeu do Chefe Regional da ACNUDH na América Latina solicitações de proteção e garantia da segurança para o exercício da atividade parlamentar e para a vida e integridade física da Deputada em comento. Igualmente, a Comissão de Direitos Humanos e CNMP, conforme farta documentação em anexo, solicitam providências aos Ministérios Públicos no sentido de efetivamente protegerem mulheres parlamentares negras, especialmente, em face de atos de violências, garantindo o exercício de função parlamentar. 

Assim é que, considerando que a Polícia Judiciária ainda não concluiu seu trabalho com relação às ameaças e outros delitos objeto dos REDS e apurações supramencionados, bem como conforme documentos em anexo, entende o Ministério Público do Estado de Minas Gerais que é prematura a retirada da escolta fornecida à Senhora Deputada Estadual Andréia de Jesus, rogando a esse Comando da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais seja mantida a escolta até deslinde das investigações já encetadas, sem prejuízo de outras providências necessárias à manutenção da integridade física da Parlamentar.  

 

¹ https://brasil.un.org/pt-br/115330-estados-devem-encontrar-vontade-politica-para-evitar-assassinatos-de-pessoas-defensoras-dos (acesso em 22/3/2022)

² 2021.024.002263.002.11180406-7; 2021.024.002263.002.011227154-76; 2021.024.002263.002.011227398-76; 2021.024.002263.002.011227806-76; 2021.024.002263.002.011227792-76; 2021.024.002263.002.011227781-76; 2021.024.002263.002.011227547-76; 2021.024.002263.002.011227537-76; 2021.024.002263.002.011227537-76; 2021.024.002263.002.011227508-76; 2021.024.002263.002.011227499-76; 2021.024.002263.002.011227475-76; 2021.024.002263.002.011.227430-76; 2021.024.002263.002.011227355-76; 2021.024.002263.002.011227251-76; 2021.024.002263.002.011227687-76; 2021.024.002263.002.011227704-76; 2021.024.002263.002.011227746-76; 2021.024.002263.002.011227307-76; 2021.024.002263.002.011227852-76; 2021.024.002263.002.011227868-76; 2021.024.002263.002.011227822-76; 2021.024.002263.002.011227676-76; 2021.024.002263.002.011227812-76; 2021.024.002263.002.011227657-76; 2021.024.002263.002.011227771-76; 2021.024.002263.002.011227646-76; 2021.024.002263.002.011227836-76. 

 

 

Francisco Angelo Silva Assis 

Coordenador do CAODH 

 

 

Allender Barreto Lima da Silva 

Coordenadoria de Combate ao Racismo e todas as outras formas de  discriminação 

 

 

Vanessa Fusco Nogueira Simões 

Coordenadora do GSI 

 

 

Jarbas Soares Junior 

Procurador Geral de Justiça


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